O Chefe
Meu nome é Catarina e trabalho em uma empresa do governo. Sim, sou funcionária pública há vinte anos, e posso contar episódios interessantes desse tempo todo de convívio nas esferas das empresas governamentais.
Sei bem o que esse título desperta nas pessoas. Todos acham que não trabalho muito e a maioria me inveja pela minha estabilidade, porém, outros me desprezam por esse mesmo motivo. A vida de um funcionário público é puro paradoxo, alguns que trabalham demais para fazer a máquina funcionar e também para permitir que outros não façam nada.
Certa vez mudei de unidade, e no meu primeiro dia aguardava na recepção meu novo chefe. Cada um que chegava me cumprimentava timidamente com cara de poucos amigos, desconfiados por saber quem era essa funcionária que conseguiu se transferir. Provavelmente protegida de algum político.
Percebi primeiramente que os horários não eram respeitados, diferentemente da outra unidade em que eu trabalhava em que o chefe chegava cedo e controlava o horário de todos. Fui recebida por ele já meio da manhã, e muito contrariado me colocou em uma sala junto com outra funcionária que me ensinaria o novo serviço. Muito tempo depois vim a descobrir que já era detestada por ela porque o tal chefe me passou o serviço que era dela sem ao menos avisá-la.
Esse meu novo chefe era digno de um capítulo só dele. Cumprimentava todas as manhãs, sala por sala, todos os funcionários, e aqueles que ele gostava (não era o meu caso) eram agraciados com uma análise de seu mapa astral. Essas análises duravam praticamente toda a manhã. Se você precisasse falar com ele algum assunto, tinha que se preparar para ouvir suas intermináveis histórias de algum fato que ele viveu, e provavelmente voltar para sala com o problema sem solução, já que essas estórias nunca se referiam ao problema por nós apresentado. Chegamos a conclusão depois que na verdade ele não sabia resolver nada.
Quando chamados por ele por algum motivo de trabalho, nunca se saía da sua sala em menos de uma hora e se o chamado fosse próximo do final do expediente nos despedíamos antecipadamente dizendo "até amanhã" às gargalhadas.
Mais um paradoxo do serviço público, ao mesmo tempo em que você se irrita diariamente pela falta de soluções rápidas para os problemas existentes, o ambiente normalmente é bem descontraído, e a aura de injustiça reinante nos une e praticamente nos transforma em humoristas, gozando uns aos outros e a nós mesmos.
Assim passavam-se as semanas; atrasos, mapa astral, conversas longas e o serviço parado na mesa dele como água de chuva parada na barragem de rio, prestes a se romper. Passamos a trabalhar em um ritmo mais lento, a secretária se desesperava, nós cada vez mais ociosos e tudo se avolumava na mesa dele, que não se abatia. Achava que tudo merecia uma análise minuciosa e agora, analisando bem, acredito que ele esperava alguma mensagem do astral para solucionar as questões, mesmo as mais banais.
Considero uma sorte ele não gostar de mim, por que assim era ignorada, que nesse caso era ótimo. Mas sei de histórias de alguns infelizes que passavam horas escutando as estórias contadas por ele, com o serviço por fazer em suas mesas.
Ele costumava trabalhar nos fins de semana, já que não dava conta de resolver as coisas de segunda a sexta com a casa cheia. Nestas ocasiões foi flagrado diversas vezes por alguns funcionários trajando somente uma sunga, pois estava na praia e após, passava no escritório para trabalhar. Também usava um incensor para afastar as energias negativas e atrair bons fluidos para o trabalho, e nos enchia de mensagens de otimismo e votos de prosperidade. Trabalhar que é bom...
Essa aura mística que ele tentava aplicar no escritório era cômica, nem os programas de humor da época tinham personagem mais caricato. Em uma ocasião ficou trancado com a secretária na sala passando-lhe energias positivas porque achou que ela estava muito carregada, passávamos pela janela e a víamos praticamente debruçada na mesa, certamente farta daquela situação.
Certa vez, tinha uma reunião com importante empresário da região e por isso veio de paletó e gravata, porém com a calça de um agasalho esportivo. Justificou dizendo que ia ficar sentado e a calça não seria vista.
Risos e mais risos e novo paradoxo, foi a época que o escritório menos funcionou, choviam reclamações de todos os lugares, inúmeras cobranças, trabalho acumulado, mas todos os dias tínhamos motivos para rir a valer, e como rimos nessa época.
Não preciso dizer que ele se transformou em uma unanimidade por todos. Mesmo aqueles que se beneficiaram com promoções na sua gestão, não aguentavam mais aquela inépcia que prejudicava todo o escritório e suscitava cobranças de todos os lados.
Durou pouco. Em menos de um ano tiraram-lhe o cargo por conta das inúmeras reclamações, o que lhe causou uma enorme comoção, logo se aposentou com direito a lágrimas e discurso de despedida. Nem preciso dizer que a maioria fingia emoção, gargalhando por dentro durante o discurso, e houve até quem passou mal por conta das risadas, levando nosso chefe a achar que era tristeza pela sua queda.
Continuou nos assombrando por um bom tempo, fazendo-nos visitas e presenteando alguns que desafortunadamente tinham sua simpatia.