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terça-feira, 24 de setembro de 2013

Evolução e Valores








Já faz algum tempo que me interesso por filosofia, e mesmo de forma absolutamente empírica, tento entender e desvendar os mistérios do novo século, até por ter nascido no final dos anos sessenta, onde achávamos que ao limiar do ano 2000, não haveria com o que se preocupar, afinal o mundo ia acabar. Outro motivo ainda mais importante é a convivência com os jovens do novo século, criados de forma muito diferente da minha. Reconheço estar perdida em pensamentos conflitantes, e a sensação de fracasso tem me acompanhado dia após dia na tentativa de me integrar aos novos valores.

Não quero usar dogmas religiosos na construção deste texto, apesar de ter minha fé bastante presente nos meus atos, minha intenção é de pensar coletivamente, e o coletivo é laico.

Não existem hoje critérios para distinguir o justo do injusto, o bem do mal, o belo do feio. Tudo é relativo, subjetivo. Não existem mais valores, tudo depende das circunstâncias e dos interesses do momento.

Consigo entender essa crise de valores que atravessa todos os domínios da sociedade por três motivos:
  •  As críticas sistemáticas que muitos filósofos modernos fizeram aos valores tradicionais;
  •  a crise nos modelos e relações familiares;
  • as profundas alterações econômicas, científicas e tecnológicas que a nossa sociedade moderna tem conhecido (globalização).

A filosofia moderna teve o objetivo de derrubar os valores anteriormente intrínsecos a sociedade. Marx argumentava que os valores de uma dada sociedade serviam somente a classe dominante e por isso deveria ser destruído. Nietzsche afirmava que não existiam valores absolutos e que sempre esses eram produtos de interesses egoístas dos indivíduos. Freud nos mostrou que os valores morais fazem parte de um mecanismo mental repressivo formado pela interiorização de regras impostas pelos pais.

Conjuntamente as propostas filosóficas do século XX, a família, que em princípio é onde o ser humano adquire seus primeiros valores está mudada, as estruturas familiares estão em crise, refletida no aumento de dissoluções de casamentos, no aparecimento de novos tipos de uniões. Por isso muitos pais não conseguem eleger um conjunto de valores que considerem fundamentais na educação de seus filhos.

Completando a análise dos motivos, as alterações da sociedade moderna no século XXI, que não só estimularam o abandono dos valores tradicionais, mas parecem ter conduzido a humanidade para um vazio de valores. A globalização que difundiu as mais diversas culturas, nem sempre de forma positiva.

Não é suficiente ao homem de hoje conhecer o outro e suas necessidades para se chegar a uma convivência harmônica, ao contrário, ser feliz hoje é dominar a técnica e a tecnologia, ser feliz é ter. Não há mais lugar para a comunidade, se aposta no individualismo, no consumo e na rapidez.  No atual momento existe um gravíssimo problema ético onde forças de dominação tem se consolidado nas estruturas sociais.

Através da crítica e do esclarecimento seria possível desvendar essa dissimulação ideológica nos diversos valores que foram destruídos e outros que foram instituídos goela abaixo, mas, sabendo disso essas mesmas forças dominantes tem procurado controlar a mídia, impedindo o homem de pensar, de descobrir uma nova maneira de ser e se ver, e encontrar uma saída para a banalização do mal e do mecanismo em que estão ausentes o pensamento e liberdade do agir.

Esse panorama nebuloso da sociedade em que estamos vivendo não é consensual, muitos acham que é a evolução que deixou a moral menos rígida e monolítica, que estamos atravessando uma fase mais aberta e sensível às diferenças individuais.

Mas uma coisa é certa, esses novos valores relativistas estão se mostrando extremamente funestos para a humanidade, por isso é necessário estabelecer novos consensos em torno dos valores que referenciavam nossos relacionamentos pessoais e coletivos, para que o futuro comum não seja ainda mais prejudicado.

É um tema vasto, polêmico e indigesto, que pretendo gravitar em novas divagações, e quem sabe, ser um grão de areia que consiga criar uma discussão a respeito, em prol da verdadeira evolução da humanidade, que está longe de ser a propagação da liberalidade sem limites proposta pela mídia.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Cores da vida


Aquele parecia ser mais um dia tedioso, daqueles que ao acordar, viramos para o lado e perguntamos a nós mesmos se não podemos ficar na cama.

Já no banheiro, Stella começava a enumerar os diversos afazeres do dia: Ir para o trabalho; agendar seus exames médicos; buscar o filho na escola; supermercado... De certo mesmo, só a correria, já que não conseguia um minuto para si. No trânsito relaxava, ouvia música e pensava naquilo que poderia ter feito e no que poderia fazer para tornar a rotina mais agradável, e nos mais ou menos cinquenta minutos de deslocamento de casa ao trabalho, traçava metas que tentava cumprir com determinação, porém, muitas dependiam de um pouco de sorte... A vida seguia em preto e branco.

Já tinha lido vários livros de autoajuda na tentativa de clarear a mente e se conhecer melhor. Não que acreditasse que lhe ajudariam, mas achava que o autoconhecimento lhe fortificaria o caráter e a vontade, mas tudo ficava na teoria.

Nesses devaneios diários, dirigia mecanicamente no caótico trânsito. Até que um dia, desses de chuva, numa distração, o carro bateu violentamente contra o guard-rail. Uma batida nem tão grave, mas que deslocou o pescoço violentamente e a imobilizou na hora com uma dor de cabeça lancinante.

Essas pancadas que a vida dá, muitas vezes literais, para nos fazer parar e pensar nela...

Sem poder se mexer, após ser socorrida, soube estar com uma lesão cervical que lhe deixaria imobilizada por um tempo. Imaginou que se sobrevivesse  ela mesma iria escrever um novo livro de autoajuda...

Hora de trabalhar em causa própria.

No começo veio a revolta e o desanimo, depois, inteligentemente concluiu que tudo continuava a andar como sempre, de outra forma, mas andando. Decidiu então olhar para dentro de si e acordou.

Ah! Essa rotina do dia a dia que nos afasta de nós mesmos, quantos não perdem a vida por isso. Sorte daquele que no fundo do poço acha uma mola, e pula de volta pra vida...

Assim foi para Stella, achou sua pequena mola no fundo e ainda sem saber como, completamente imóvel fisicamente, sacudiu sua alma e pulou até achar a luz.

Neste trajeto percebeu que não se importava mais com algumas coisas antes tão importantes. Alguns fatos que sempre fizeram tanto sentido passaram a não significar mais nada. As compras, a casa, o carro, as viagens... Em contrapartida outras tão abstratas passaram a ter todo o sentido. A fé, a vontade, o amor, a amizade, um cheiro, um gosto, um olhar.

Do teto branco do seu quarto de hospital, começava a enxergar várias cores nunca percebidas quando vivia no meio do arco-íris. Agora o tempo fez parada do seu lado, dando a chance de localizar perfeitamente onde esta a tal mola... Ia perder essa chance?

Mudanças bruscas na rotina de quem nunca quis sair dela é difícil, mas para Stella foi mais fácil do que ela imaginava. Ela que sempre foi avessa a mudanças teve que enxergar nisso a oportunidade de viver, e fez essa opção. Ao optar pela vida, facilitou tudo.

E não é que em meio aos dolorosos tratamentos, cirurgias, fisioterapias e medicações, está mais serena? Encontrou dentro de si mesma uma força esquecida. Essa determinação a deixou  mais calma, e porque não dizer; mais feliz...

Uma nova rotina se estabeleceu, mas entendeu que não durará para sempre e não sofre mais por isso. Em um paradoxo conseguiu sentir que a inconstância da vida nos deixa mais firmes para desfrutá-la.

Em meio a sua estrada entendeu que a felicidade é o caminho e não o destino. Ainda em sua cadeira de rodas, indo para mais um dia de fisioterapia, enxerga todas as cores do caminho. Espera poder andar novamente, continua lutando para isso, mas se não conseguir, não vai mais perder o colorido da vida. Enxergar em preto e branco? Nunca mais.