Aquele parecia ser mais um dia
tedioso, daqueles que ao acordar, viramos para o lado e perguntamos a nós
mesmos se não podemos ficar na cama.
Já no banheiro, Stella começava a
enumerar os diversos afazeres do dia: Ir para o trabalho; agendar seus exames
médicos; buscar o filho na escola; supermercado... De certo mesmo, só a
correria, já que não conseguia um minuto para si. No trânsito relaxava, ouvia música e pensava naquilo que poderia ter feito e no que poderia fazer para tornar
a rotina mais agradável, e nos mais ou menos cinquenta minutos de deslocamento
de casa ao trabalho, traçava metas que tentava cumprir com determinação, porém,
muitas dependiam de um pouco de sorte... A vida seguia em preto e branco.
Já tinha lido vários livros de
autoajuda na tentativa de clarear a mente e se conhecer melhor. Não que
acreditasse que lhe ajudariam, mas achava que o autoconhecimento lhe
fortificaria o caráter e a vontade, mas tudo ficava na teoria.
Nesses devaneios diários, dirigia
mecanicamente no caótico trânsito. Até que um dia, desses de chuva, numa
distração, o carro bateu violentamente contra o guard-rail. Uma batida nem tão
grave, mas que deslocou o pescoço violentamente e a imobilizou na hora com uma
dor de cabeça lancinante.
Essas pancadas que a vida dá, muitas
vezes literais, para nos fazer parar e pensar nela...
Sem poder se mexer, após ser
socorrida, soube estar com uma lesão cervical que lhe deixaria imobilizada por
um tempo. Imaginou que se sobrevivesse ela mesma iria escrever um novo livro de
autoajuda...
Hora de trabalhar em causa
própria.
No começo veio a revolta e o
desanimo, depois, inteligentemente concluiu que tudo continuava a andar como
sempre, de outra forma, mas andando. Decidiu então olhar para dentro de si
e acordou.
Ah! Essa rotina do dia a dia que
nos afasta de nós mesmos, quantos não perdem a vida por isso. Sorte daquele que
no fundo do poço acha uma mola, e pula de volta pra vida...
Assim foi para Stella, achou sua pequena mola no fundo e ainda sem saber como, completamente imóvel fisicamente,
sacudiu sua alma e pulou até achar a luz.
Neste trajeto percebeu que não se
importava mais com algumas coisas antes tão importantes. Alguns fatos que
sempre fizeram tanto sentido passaram a não significar mais nada. As compras, a
casa, o carro, as viagens... Em contrapartida outras tão abstratas passaram a ter
todo o sentido. A fé, a vontade, o amor, a amizade, um cheiro, um gosto, um
olhar.
Do teto branco do seu quarto de
hospital, começava a enxergar várias cores nunca percebidas quando vivia no
meio do arco-íris. Agora o tempo fez parada do seu lado, dando a chance de
localizar perfeitamente onde esta a tal mola... Ia perder essa chance?
Mudanças bruscas na rotina de
quem nunca quis sair dela é difícil, mas para Stella foi mais fácil do que
ela imaginava. Ela que sempre foi avessa a mudanças teve que enxergar nisso a
oportunidade de viver, e fez essa opção. Ao optar pela vida, facilitou tudo.
E não é que em meio aos dolorosos
tratamentos, cirurgias, fisioterapias e medicações, está mais serena? Encontrou
dentro de si mesma uma força esquecida. Essa determinação a deixou mais calma, e porque não
dizer; mais feliz...
Uma nova rotina se estabeleceu,
mas entendeu que não durará para sempre e não sofre mais por isso. Em um
paradoxo conseguiu sentir que a inconstância da vida nos deixa mais firmes para
desfrutá-la.
Em meio a sua estrada entendeu que a felicidade é o caminho e não o destino.
Ainda em sua cadeira de rodas, indo para mais um dia de fisioterapia,
enxerga todas as cores do caminho. Espera poder andar novamente, continua lutando
para isso, mas se não conseguir, não vai mais perder o colorido da vida. Enxergar em preto e branco? Nunca mais.