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sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Literatura


Impressiona hoje em dia a rapidez das informações e portanto, como tudo é efêmero.
Tento imaginar se os autores atuais serão lembrados daqui a cinquenta anos e se será dado o devido valor a suas obras. 

Os grande clássicos da literatura são estudados nas escolas de forma muito diferente e superficial (é certo dizer que se assim não fosse nem estudados seriam!) porém, é tão fácil ter informação sobre qualquer coisa, que só não se aprofunda quem não quer.

E esse é o problema. Quem quer se aprofundar em algo?

Saber a que escola literária pertence este ou aquele autor, e o que significa cada uma delas só interessa aos vestibulandos. Tudo é muito antigo para os jovens, tão acostumados as modernidades dos smarts, Iphones, net e notes, PC's e tantas outras coisas, que ler Machado de Assis, ou ir a uma biblioteca pode ser comparado a leitura de papiros.

Não, não sou antiquada não! Adoro toda esta modernidade e não vivo sem meu netbook. A velocidade das informações nos atropela, e a vida vai passando, passando e se passa muito tempo sem ler "papel".

E acho que faz muita falta, porque aprofunda o conhecimento, instiga a mente, aumenta a criatividade.

Os livros continuam sendo editados (graças a Deus!), as livrarias hão de continuar existindo, mas, quem são os leitores? Não podemos deixar isso morrer.

Defendo os eletrônicos e adoro, mas, não desisto do papel !

FERNANDO PESSOA

Fernando Pessoa, nascido em Lisboa no dia 13 de junho de 1888, foi aclamado não apenas como o maior poeta português do século XX, como também figura entre os melhores do mundo.

Tinha tanto o que falar que usou heterônimos para suas obras. Os três  mais conhecidos (e também aqueles com maior obra poética) foram Àlvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro. Um quarto heterónimo de grande importância na obra de Pessoa é Bernardo Soares, além de Fernando Pessoa ele mesmo.

Esse é o meu poema preferido! Álvaro de Campos
    TABACARIA
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.


Álvaro de Campos, 15-1-1928

Clarisse Lispector

ADORO CLARISSE!!!


Sonhe com aquilo que você quiser.
Seja o que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que se quer.

Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.

As pessoas mais felizes
não têm as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor
das oportunidades que aparecem
em seus caminhos.

A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam.
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passam por suas vidas.

O futuro mais brilhante
é baseado num passado intensamente vivido.
Você só terá sucesso na vida
quando perdoar os erros
e as decepções do passado.

A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar
duram uma eternidade.
A vida não é de se brincar
porque um belo dia se morre.

Mulheres de Hoje - Conto 3


Independência ou sorte.

Em uma dessas noites em que se tenta dormir mais não se consegue, relembro todas as vezes que tentei emplacar um novo relacionamento e não consegui. Graças a uma enorme incapacidade de integrar uma pessoa dentro da minha intimidade, continuava ano após ano na solidão noturna, sem ter com quem dividir minhas angustias.

Fui criada com um senso de independência tão grande que me era impossível dividir a vida com alguém. Desta última vez, encerrei um relacionamento de quatro anos quando me vi pressionada a assumir de maneira plena nosso romance. Não que eu não me envolvesse, mas era muito difícil aceitar alguém para quem eu tivesse que dar satisfação de onde vou, como gastar, o que usar, e outras tantas coisas que me remetiam a submissão que eu vi por tantos anos, com tantas mulheres na minha família, inclusive minha mãe.

Nesses últimos quatro anos, nosso relacionamento era muito bom; divertido, maduro, correto, leal... Mas eu não conseguia entregar por completo. Por mais que estivesse apaixonada, e por que não dizer amando, sempre decidia minhas coisas sozinhas, sem consultar ninguém, nem ele, motivo de desentendimentos diversos durante todo esse tempo. No final, voltei a ser sozinha de verdade. Era a quarta vez que isso acontecia e já imaginava estar fadada a viver só.

Na minha cama, na madrugada, choro tentando entender o porquê.

Já fazia uma semana desde o término, e embora aliviada com o fim das inúmeras satisfações, sofria com a falta que ele me fazia, pura e simplesmente. Novamente minha rotina solitária se instalava, e meu celular não tocava mais como de costume nos horários marcados, para um simples oi, um carinho ou algum recado.

Viver nesse conflito não fazia mais sentido. O tempo vivido e as experiências me impelem a decidir de que lado quero estar.

Hoje, aos trinta e cinco anos, tenho várias amigas, algumas já casadas e felizes, com filhos ou querendo ter, e outras solteiras e tranquilas, vivendo em paz com a condição escolhida. Somente eu, vivendo esse dilema entre a independência e o companheirismo. E a vida me dando mais uma chance com uma pessoa bacana, e eu sentindo que desta vez uma falta enorme de tudo.

Já havia amado outras vezes, mas nunca a sensação de estar perdendo algo precioso havia ficado tão latente. Onde quero chegar? A idéia de dividir minha vida me causava o medo de me perder de mim e, ao mesmo tempo, o tempo passando e eu sempre só.

Busquei na memória várias conversas que tive com várias mulheres, e o conflito persistia porque não conseguia entender uma questão matemática. Enquanto eu relutava em dividir a vida, todas tentaram me explicar que se tratava de optar em somar.

Três horas e quinze minutos de uma noite que não acaba, está na hora de acender uma luz na escuridão. Rompendo uma enorme barreira, antes instransponível, pego no telefone e ligo. Uma voz sonolenta e assustada me atende, e me surpreendo falando:

- Oi! Sou eu. Preciso de você na minha vida. Não desista de mim.

Antes mesmo da resposta já estou em paz! O medo só pode ser superado por nós mesmos. Temos que ser a mudança que queremos ver. A resposta veio firme, com uma pergunta:
- Você tem certeza?

- Sim. Quero você aqui comigo.

Somar, dividir, subtrair e multiplicar, desta vez vou aprender as quatro operações definitivamente.

Mulheres de hoje - Conto 2



A arte de fazer planos.

Acordei naquele dia com o barulho da chuva na minha janela, meu humor já começava nublado e instável, já que o outono se fazia presente e as manhãs ensolaradas e encaloradas, que eu tanto gosto, só voltariam na primavera.

Meu marido já havia saído para o trabalho, e eu, agora aposentada, desfrutava do ócio tão almejado, mas que estava começando a incomodar. Havia decidido que voltaria a me ocupar com alguma coisa, afinal, trabalhando desde muito nova, não estava conseguindo me acostumar com esse estado de férias permanente, e o mau humor dos tempos de trabalho voltava cada dia um pouco mais.

Meu filho estava na escola e, adolescente de dezessete anos, estava ocupado com sua vida, trilhando seu destino profissional. Minha missão agora era acompanhar a distância, orientando de longe e deixando suas descobertas acontecerem por ele próprio.

...Nem ao menos caminhar na praia estou podendo ir, pensei ainda mais irritada.

Quando trabalhava comandava a casa de longe com muita disciplina, e tudo corria muito bem; supermercado pela internet, orientações à empregada pelo telefone, tudo muito organizado, casa sempre arrumada e abastecida. O filho já andava com as próprias pernas e com uma rotina tão corrida, que eu nem conseguia acompanhar. Portanto, oito meses após a aposentadoria, com cinqüenta e dois anos, cheguei ao ponto de não ter o que fazer.

Que ironia! Busquei isso nos últimos dez anos com voracidade e agora, como várias pessoas me avisaram, já estou cansada. Estou aqui, tomando meu café da manhã calmamente, pensando o que fazer deste dia de hoje, com saudade dos telefones tocando, das pessoas ao meu redor falando, da falta de tempo para mim. Eis a chave do problema. Quando não se tem tempo não se pensa, e a vida vai passando rapidamente sem questionamentos e atitudes. Agora tenho tempo de pensar, não há como fugir, a pergunta martelando na minha cabeça: O que você vai fazer com sua vida?

Não posso reclamar do meu marido, é um companheiro há vinte e dois anos que me apóia em todos os momentos da minha vida. Alcançou seu sucesso profissional e nem pensa em parar aquilo que foi tão custoso e trabalhoso de conseguir, sua carreira. Para mim as coisas foram mais amenas, sempre pude estudar e só não consegui maiores conquistas por opção própria de priorizar a vida familiar à carreira. Portanto era claro que assim que pudesse, pararia de fazer o que sempre foi tão penoso, deixar minha casa e o filho distantes para trabalhar.

Qualquer rotina é desgastante, e assim, já cansada dessa minha nova rotina decidi então dar rumo a um novo sonho: voltar a estudar!

A carreira já estava escolhida há muito tempo, escondida pela falta de tempo e oportunidade. Voltar a estudar, conhecer gente nova e jovem, aulas, provas, trabalhos, professores. Um novo entusiasmo me invadiu.

Depois de comunicar o fato a família, que sempre me apóia nas minhas decisões, iniciei um novo curso de graduação.

A felicidade, a paz e a sensação de plenitude que já conquistei é muito grande. Todos os dias ao acordar, agora mais disposta mesmo nos dias de chuva, traduz a alegria de viver e me sentir útil, sempre buscando novos sonhos e conquistas.

Antes que a rotina me invada novamente, já tenho uma nova meta. Sim, agora já com tarimba na arte de fazer planos, desejo me tornar professora antes de completar sessenta anos, e antes que seja tarde, compartilhar as experiências desta minha vida para quem estiver disposto a me ouvir.

Mulheres de Hoje - Conto 1


Renascer
Estava sendo muito difícil sobreviver nos últimos tempos. Não sabia se as insatisfações recentes, que substituíram as antigas incertezas, eram responsáveis por tanta infelicidade. Mesmo assim consegui iniciar uma reforma íntima que me possibilitou uma grande mudança.

Acordei naquele dia, como em tantos outros, com vontade de continuar dormindo e não ir trabalhar, mas também o que fazer se não fosse para o escritório passar o tempo? Levantei-me e após um banho rápido fui para cozinha e tomei um iogurte como de praxe, me troquei rapidamente e saí, deixando toda a arrumação da casa para minha mãe. Ao menos uma vantagem de morar com a mãe nessa altura da minha vida, os trabalhos domésticos, que sempre detestei, não faziam parte da minha rotina.

Quarenta e nove anos, solteira, arquiteta, e paramos por aí, não avancei em mais nada. Sem casamentos, sem filhos, sem viagens maravilhosas, sem vida...

Chegando ao escritório reiniciei a análise de um projeto de reforma de uma casa cujo dono era amigo do meu chefe, ou seja, mais cuidado ainda. Ganhava bem, algumas comissões que engordavam minha poupança, mas não conseguia fazer aquilo que almejava na faculdade.

Minha vida financeira era estável, bom salário, nenhum gasto que fizesse mexer no dinheiro do banco. Morando com minha mãe no apartamento dela, os gastos eram somente os frugais, as roupas eram comuns, sem muitos adereços, não tinha o hábito de sair, salvo um cinema com minha prima ou minha mãe, e uma pizza um fim de semana ou outro. Fazia questão de não engordar porque minha mãe era bem gordinha e via o drama que isso gerou sua vida inteira.

Tinha poucos amigos no trabalho, todos pareciam confortáveis em suas vidas em família, e eu só, morando com minha mãe. Sentindo-me deslocada nesse meio, tinha amizade somente com uma colega que, divorciada, morava com a filha e se preocupava tão somente em arrumar outro companheiro. Nossa amizade resumia-se em uma tentar convencer a outra que estava certa. Ela tentava me convencer a aproveitar a vida, gastar meu dinheiro, viajar e conhecer pessoas, e eu por minha vez, tentava convence-la a ficar mais em casa e guardar mais dinheiro, pois tinha uma filha ainda pequena, que precisava da mãe.

Conversava-mos no café sobre a saída que ela teve na noite anterior. Mais uma balada em que conheceu mais um homem, mais uma noite cheia de aventuras. E eu, fiquei assistindo mais um filme repetido na televisão. Iniciamos uma leve discussão, de minha parte eu falava sobre a loucura de sair cada dia com uma pessoa diferente, enquanto ela perguntava se eu ia passar o resto da vida guardando dinheiro e assistindo filmes velhos na televisão, me disse que eu era motivo de risos no escritório com essa minha vida inerte.

No fundo senti uma enorme inveja daquela vida cheia de acontecimentos. Ela tinha uma vida difícil, criava a filha sozinha desde que o marido a deixou, o salário não era tão bom quanto o meu, com inúmeros problemas que movimentavam sua vida, causando inclusive alguns problemas de saúde, e eu morrendo de inveja, com essa minha vida tão “boa”, “estável”, “comportada”.

Conclui, só nessa hora, que algo estava errado. Era preciso fazer alguma coisa para deixar de ser a chata do escritório, motivo de risos em todos os escalões. Quanta vergonha e tristeza senti, que vontade de sumir de mim mesma. Comecei a lembrar das noites iguais, anos e anos vendo TV, contando calorias, dormindo, jogando baralho com minha mãe, escutando as lamúrias de minha prima sobre seu casamento e sua vida vazia. Sempre espectadora, assistindo minha vida passar sem sentir.

Pedi licença ao chefe, que espantado me deu o dia para resolver meu suposto problema particular. No banheiro antes de ir, pensei: Por onde começar essa mudança?

Não tinha nenhuma amiga para confiar, não queria falar com nenhum conhecido, na verdade não queria falar com ninguém. Esses anos todos me transformaram em um estereótipo de mulher bem sucedida, mas esse sucesso não estava dentro de mim.

Na verdade não queria uma transformação muito extrema, afinal minha auto estima estava abalada, mas já havia existido, e esse bem querer de mim mesma fazia com que eu almejasse somente agitar minha vida de forma a torná-la mais produtiva.

Busquei aquela jovem destemida e independente, vaidosa, e principalmente vibrante. Passo a passo reformei meu íntimo de modo que às transformações passassem despercebidas de início e, quando notadas não causassem nada além de uma grata surpresa a todos os conhecidos, colegas, amigos e familiares.

Mais bonita e cuidada, passei a desfrutar de alguns prazeres antes deixados de lado, e até mesmo saí algumas vezes com aquela colega.
Não foi tão simples. Essa mudança, que foi fruto de um mergulho dentro de mim mesma, causou cicatrizes profundas dentro de mim, mas que me fazem lembrar sempre de não me deixar incorrer novamente nessa armadilha da acomodação.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

escrever é preciso...

Sempre gostei de escrever.

Por ser uma leitora voraz desde que me alfabetizei, escrever se tornou obrigatório, como se precisasse gastar todas aquelas letras que havia engolido.

Já escrevi muito, desde sempre, e joguei muitos escritos fora... que pena. Seria muito bom reler e me redescobrir naqueles anseios de ontem.

Desde que recomecei a escrever, não jogo mais nada fora, e na impossibilidade momentânea de publicar meus textos, vou apresenta-los aqui para mim e quem mais quiser ler.

Muito prazer!