Tinha mais ou menos dez anos
quando meu pai construiu a nossa casa de praia, próxima a São Paulo, onde
morávamos. Vendo
as obras no início, no local onde foi construído um dos banheiros, imaginei
tudo pronto e consegui enxergar nossa família rindo, brincando e aproveitando a
casa. Vislumbrei o passar dos anos naquele pedaço de terra, ainda sem piso, que
ali seríamos muito felizes. Esqueci, na inocência da minha infância, que também
haveria tristeza e dor. Claro, afinal era a vida real.
Durante a construção, acompanhada
de perto por meu pai, víamos subir semana após semana uma linda casa, com uma
sala ampla, dois quartos, e toda avarandada para um belo quintal. Próxima da
praia, ansiávamos por vê-la pronta e assim desfrutar os
dias de verão naquele local ainda bem desabitado, com pouquíssimos veranistas. E
assim, em dezembro de 1976, passamos a ter endereço certo nas férias.
Em nossa casa de veraneio,
inicialmente amarela, vivemos tudo o que foi de bom e ruim de nossas vidas.
No começo tudo era alegria, muito
sol, praia, amigos e familiares. Íamos logo após o natal e lá rompíamos o ano
novo e adentrávamos janeiro e fevereiro, voltando somente para o início das
aulas. Podíamos levar amigas, e eu particularmente sempre tinha a companhia de
alguma amiga para desfrutar nas férias. Plantamos mudas de coqueiros e
pinheiros e pudemos acompanhar seu crescimento.
Os problemas começaram quando a
novidade passou e a adolescência chegou. Passamos a não gostar, principalmente
minhas irmãs, de ficar isoladas por quase dois meses na praia, sem telefone e o
convívio com a cidade grande. As paqueras e os namoros começavam e meu pai
ficava furioso por preferirmos ficar em São Paulo ao invés de desfrutar os dias
de sol na praia, na casa construída por ele, para nós.
Anos difíceis vieram,
sobrepujando as alegrias das festas de fim de ano, onde pedíamos por um ano
abençoado, sempre com muita alegria e esperança.
Sempre que ia naquele banheiro, no
mesmo local da minha primeira visita à casa ainda sem piso e telhado, invariavelmente
me lembrava do dia em que enxerguei nossa vida lá. Dois sentimentos se
alternavam nessas horas, ou estava mais feliz do que imaginei ou tão triste
como nunca pensei que pudesse estar.
O tempo passava e a casa e nós nos
modificávamos. A piscina foi construída, depois um deck, churrasqueira e muitas
outras coisas pensadas por meus pais. Meu pai fazia melhorias na esperança da
casa ficar mais atrativa para nós, para que fossemos para lá alegres, sem a
incômoda sensação de estarmos lá obrigadas.
Comemorei dois aniversários
marcantes, de dezesseis e dezessete anos, naquela casa. Levei aproximadamente
vinte amigas para lá, em festas que duravam um final de semana inteiro. Tentava
aproveitar a casa da melhor forma possível, de forma a tornar a ida para praia
mais prazerosa e com menos brigas.
Marcantes Reveillons,
sempre com muitos amigos, todos de branco, com direito a desfile até a praia
cantando e tocando, para pular as sete ondas no mar; os carnavais com muita
marchinha noite adentro e tantas outras ocasiões que pudemos dar e receber
alegria de todos os amigos e familiares; finais de semana e férias com jogos de
carta, campeonatos de pebolim e pingue pongue, sem esquecer as filmagens de filmes caseiros onde meu pai era o autor e diretor e nós os atores. Os anos foram passando. Dezenas
de fotos marcaram estas ocasiões de muita alegria e felicidade.
Quando me casei, a última das
filhas, meu pai resolver ampliar a casa. Já tinha um neto e talvez esperasse
mais alguns, portanto os dois quartos da casa eram poucos, apesar de sempre
termos nos acomodado muito bem na sala, que era muito grande. Mesmo assim, no
ano de meu casamento iniciou-se a reforma da casa, com a subida de um novo
andar, tornando aquela casa térrea amarela, em um enorme sobrado com quatro
quartos, cinco banheiros, banheira de hidromassagem, sala de TV e jogos, e duas
churrasqueiras.
Antes da conclusão da reforma meu
pai se aposentou, e com a dificuldade de manter duas casas, e sem querer se
desfazer da casa da praia, após alguns reveses, meus pais se mudaram em
definitivo para praia. Aquela que era a casa de veraneio passou a ser a
residência. Um enorme sobrado para um casal... Em um bairro de veranistas...
Íamos rotineiramente para lá, bem
menos do que gostariam meu pai e minha mãe. Com dois netos, agora eu já tinha
uma filha, tiveram que se adaptar a sair de São Paulo, e passaram a se ocupar
mantendo a casa, exageradamente grande para os dois, e a esperar nossas visitas
e a dos netos.
Assim, mais dez anos se passaram.
Em uma nova vida caiçara, curtiram a infância dos netos, hoje crescidos, que adoravam a casa
grande do vovô e da vovó, onde tudo se podia fazer; nadar, correr, brincar, jogar, ir
à praia, churrasquear, comer bobagens, curtir os avós.
A última grande festa que ocorreu na
casa foi o aniversário de oitenta anos de meu pai. Depois disso ele adoeceu. A
casa passou a abrigar meu pai doente e minha mãe cuidadora. Nossas visitas
agora eram para vê-los, assistir a ele e minha mãe. Mais dois natais se passaram e
reveillons mais comedidos e íntimos. Até que ele se foi em julho, deixando para trás a
sua casa querida, que abrigou alegrias e tristezas de nossa vida em família.
A partir daí tivemos que deixa-la
para trás também. Fechamos a porta da casa uma semana depois de sua partida, e depois
de dois meses guardamos louças, doamos móveis, e a casa está à venda. Neste mesmo dia desativamos a casa para
deixa-la mais livre para a visita de possíveis compradores.
Vamos voltar mais
vezes, ainda há muita coisa lá para ser retirada, e quando estiver lá pela
última vez, quero entrar naquele banheiro e agradecer pelos trinta e seis anos
lá vividos, com lembranças boas e ruins, maravilhosas e terríveis. Certa de
termos vivido verdadeiramente como uma Família.