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segunda-feira, 1 de outubro de 2012

NOSSA CASA DE PRAIA



Tinha mais ou menos dez anos quando meu pai construiu a nossa casa de praia, próxima a São Paulo, onde morávamos.  Vendo as obras no início, no local onde foi construído um dos banheiros, imaginei tudo pronto e consegui enxergar nossa família rindo, brincando e aproveitando a casa. Vislumbrei o passar dos anos naquele pedaço de terra, ainda sem piso, que ali seríamos muito felizes. Esqueci, na inocência da minha infância, que também haveria tristeza e dor. Claro, afinal era a vida real.

Durante a construção, acompanhada de perto por meu pai, víamos subir semana após semana uma linda casa, com uma sala ampla, dois quartos, e toda avarandada para um belo quintal. Próxima da praia, ansiávamos por vê-la pronta e assim desfrutar os dias de verão naquele local ainda bem desabitado, com pouquíssimos veranistas. E assim, em dezembro de 1976, passamos a ter endereço certo nas férias.

Em nossa casa de veraneio, inicialmente amarela, vivemos tudo o que foi de bom e ruim de nossas vidas.

No começo tudo era alegria, muito sol, praia, amigos e familiares. Íamos logo após o natal e lá rompíamos o ano novo e adentrávamos janeiro e fevereiro, voltando somente para o início das aulas. Podíamos levar amigas, e eu particularmente sempre tinha a companhia de alguma amiga para desfrutar nas férias. Plantamos mudas de coqueiros e pinheiros e pudemos acompanhar seu crescimento.

Os problemas começaram quando a novidade passou e a adolescência chegou. Passamos a não gostar, principalmente minhas irmãs, de ficar isoladas por quase dois meses na praia, sem telefone e o convívio com a cidade grande. As paqueras e os namoros começavam e meu pai ficava furioso por preferirmos ficar em São Paulo ao invés de desfrutar os dias de sol na praia, na casa construída por ele, para nós.

Anos difíceis vieram, sobrepujando as alegrias das festas de fim de ano, onde pedíamos por um ano abençoado, sempre com muita alegria e esperança.

Sempre que ia naquele banheiro, no mesmo local da minha primeira visita à casa ainda sem piso e telhado, invariavelmente me lembrava do dia em que enxerguei nossa vida lá. Dois sentimentos se alternavam nessas horas, ou estava mais feliz do que imaginei ou tão triste como nunca pensei que pudesse estar.

O tempo passava e a casa e nós nos modificávamos. A piscina foi construída, depois um deck, churrasqueira e muitas outras coisas pensadas por meus pais. Meu pai fazia melhorias na esperança da casa ficar mais atrativa para nós, para que fossemos para lá alegres, sem a incômoda sensação de estarmos lá obrigadas.

Comemorei dois aniversários marcantes, de dezesseis e dezessete anos, naquela casa. Levei aproximadamente vinte amigas para lá, em festas que duravam um final de semana inteiro. Tentava aproveitar a casa da melhor forma possível, de forma a tornar a ida para praia mais prazerosa e com menos brigas.

Marcantes Reveillons, sempre com muitos amigos, todos de branco, com direito a desfile até a praia cantando e tocando, para pular as sete ondas no mar; os carnavais com muita marchinha noite adentro e tantas outras ocasiões que pudemos dar e receber alegria de todos os amigos e familiares; finais de semana e férias com jogos de carta, campeonatos de pebolim e pingue pongue, sem esquecer as filmagens de filmes caseiros onde meu pai era o autor e diretor e nós os atores. Os anos foram passando. Dezenas de fotos marcaram estas ocasiões de muita alegria e felicidade.

Quando me casei, a última das filhas, meu pai resolver ampliar a casa. Já tinha um neto e talvez esperasse mais alguns, portanto os dois quartos da casa eram poucos, apesar de sempre termos nos acomodado muito bem na sala, que era muito grande. Mesmo assim, no ano de meu casamento iniciou-se a reforma da casa, com a subida de um novo andar, tornando aquela casa térrea amarela, em um enorme sobrado com quatro quartos, cinco banheiros, banheira de hidromassagem, sala de TV e jogos, e duas churrasqueiras.

Antes da conclusão da reforma meu pai se aposentou, e com a dificuldade de manter duas casas, e sem querer se desfazer da casa da praia, após alguns reveses, meus pais se mudaram em definitivo para praia. Aquela que era a casa de veraneio passou a ser a residência. Um enorme sobrado para um casal... Em um bairro de veranistas...

Íamos rotineiramente para lá, bem menos do que gostariam meu pai e minha mãe. Com dois netos, agora eu já tinha uma filha, tiveram que se adaptar a sair de São Paulo, e passaram a se ocupar mantendo a casa, exageradamente grande para os dois, e a esperar nossas visitas e a dos netos.

Assim, mais dez anos se passaram. Em uma nova vida caiçara, curtiram a infância dos netos, hoje crescidos, que adoravam a casa grande do vovô e da vovó, onde tudo se podia fazer; nadar, correr, brincar, jogar, ir à praia, churrasquear, comer bobagens, curtir os avós.

A última grande festa que ocorreu na casa foi o aniversário de oitenta anos de meu pai. Depois disso ele adoeceu. A casa passou a abrigar meu pai doente e minha mãe cuidadora. Nossas visitas agora eram para vê-los, assistir a ele e minha mãe. Mais dois natais se passaram e reveillons mais comedidos e íntimos. Até que ele se foi em julho, deixando para trás a sua casa querida, que abrigou alegrias e tristezas de nossa vida em família.

A partir daí tivemos que deixa-la para trás também. Fechamos a porta da casa uma semana depois de sua partida, e depois de dois meses guardamos louças, doamos móveis, e a casa está à venda. Neste mesmo dia desativamos a casa para deixa-la mais livre para a visita de possíveis compradores.

Vamos voltar mais vezes, ainda há muita coisa lá para ser retirada, e quando estiver lá pela última vez, quero entrar naquele banheiro e agradecer pelos trinta e seis anos lá vividos, com lembranças boas e ruins, maravilhosas e terríveis. Certa de termos vivido verdadeiramente como uma Família.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Feliz Ano Novo!



Hoje é como o dia de ano novo! 


Após o carnaval, vamos sepultar o natal, o fim de ano, as férias e entrar de cabeça em 2012 antes que ele acabe! E não é exagero.

Lembrei-me hoje de quando, aos quinze anos, conjecturava junto às minhas amigas, o que eu estaria fazendo quando chegasse o ano 2000. Estávamos nos anos 80 sob impacto da leitura do livro de George Orwell, 1984, e seu Big Brother, o original. Brincávamos com a hipótese do fim do mundo, que seria em 2000. Na ocasião eu fazia a conta de que iria estar com 34 anos, velha. E se o mundo acabasse? Tudo bem, já teria vivido o bastante. 

Não existiam ainda os computadores pessoais, a internet e o mundo não era globalizado. Só os muito ricos viajavam para outros países para conhecer outras culturas. Vivíamos em nosso mundinho, com a TV e seus programas com hora marcada, não havia ainda a cultura da “24 horas no ar”. Tudo podia esperar e tinha sua hora, certa e disciplinada. Meus avós viviam cientes de que já conheciam tudo, nada mais a desbravar. E se houvesse? Desnecessário. Seguiam a vida esperando a hora de ir embora. 

Em um salto, me vi em 1999, preocupada com o bug do milênio, ciente de que o mundo não ia acabar, e sim que nós estávamos acabando com o mundo. Mas a mente ainda vivia no século passado, era muito jovem com os meus 33 anos, não tinha vivido o bastante. Na TV já tínhamos uma infinidade de canais de todas as nacionalidades, a internet  era uma realidade e a globalização dava seus primeiros passos. A consciência de que eu não conhecia nada ficava mais evidente a cada dia, com novas descobertas, novas culturas, um mundo que não para, não tem hora e nem lugar. Era preciso mudar. Tratava-se de agarrar o mundo, ou o mundo passaria por cima, te deixando literalmente ultrapassado. 

Começava a corrida... 

Passados doze anos do início do século XXI, nunca ficamos tão conscientes de que é preciso uma grande mudança. Somos de outra era, ainda não sabemos lidar com a urgência de hoje. Estamos adoecendo. Pobres de nós, jovens do século passado. 

As convicções mudaram, e a principal é estar ciente de que elas estarão mudando sempre, nada mais é imutável, sereno, com hora marcada. Sempre haverá o que descobrir, entender e estudar. Nunca estaremos prontos, nada é desnecessário. Estaremos sempre em evolução. 

A geração deste século já nasceu sabendo disso, e para evitar este conflito temos que seguir mudando; a cabeça, as atitudes, o estilo de vida. Seguimos para a geração que não irá arrumar, e sim trocar. Não vai vender, vai se desfazer. Não irá procurar por produtos que sintam necessidade, apenas escolherão de quem comprar, pois ofertas de todos os tipos e gostos não vão faltar. 



Na corrida contra o tempo, a sensação é de que ele não nos dá tempo, e passa inexorável, rápido. Temos que aprender com a geração deste século. Afinal,  vivemos neste milênio e estamos vivos. Mas vivemos? 



Feliz Ano Novo... Para todos nós!

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Tempo


Não foi um ano dos melhores...

Nem  posso dizer que foi produtivo...

Mas de todos os problemas, muitos foram resolvidos ou  encaminhados.


Os problemas te fazem repensar suas verdades,
                                                       te tornam mais humano,
                                                                                Te tiram da inércia.



 Mas é preciso tempo.

Para assimilar

                 Para curar

                                               Para acalentar.



"Peço-te o prazer legítimo
E o movimento preciso
Tempo tempo tempo tempo
Quando o tempo for propício
Tempo tempo tempo tempo

De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido
Tempo tempo tempo tempo
E eu espalhe benefícios"
Tempo tempo tempo tempo"

Que  passe o tempo e venha 2012

quinta-feira, 26 de maio de 2011

O que será da última flor do Lácio?


ULTIMA FLOR DO LÁCIO - Olavo Bilac

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura;
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
-
O que não diria Olavo Bilac se passasse os olhos a um livro editado pelo MEC de língua portuguesa. Acredito que o autor do poema que enaltece a língua portuguesa jamais imaginou ver grafado nos livros didáticos, erros de português inadmissíveis até na linguagem falada. 

Membro-fundador da Academia Brasileira de Letras, Bilac tinha a preocupação de atingir a perfeição em seus poemas, que possuem uma grande beleza pelo ritmo e sonoridade.

A correção da linguagem, o rigor da forma e a espontaneidade são as principais características de seus versos. Foi um dos maiores defensores da abolição da escravatura e lutou pelo serviço militar obrigatório, que considerava uma forma de combater o analfabetismo.

Com essa biografia impar, que exemplifica a paixão pela nossa língua e a vontade de que todos falem bem o bom português, certamente ficaria admirado com os educadores de hoje, em especial os de língua portuguesa, que tentam dilacerar a gramática com a aceitação de erros grosseiros de concordância, sob a pecha da inclusão social e da variedade lingüística, ou seja, acham que assim estão a combater o preconceito contra os alunos que falam linguagem popular.

Oras, não podemos confundir linguagem popular com erros gramaticais. Claro que há a linguagem usual, com gírias e estrangeirismos, que logo adaptamos e inserimos na nossa língua, concorrendo inclusive para a evolução (afinal não poderíamos nos dias atuais usar o vernáculo como Bilac usava!), mas daí a falar e escrever errando a concordância verbal e nominal, é de fazer qualquer um que preze a boa leitura e a boa conversa no mínimo ultrajada.

A que ponto chegou o descaso com a educação! Não se pode mais repreender o aluno, e não se pode agora ensinar e exigir que se fale da forma correta! Caso contrário estaremos cometendo preconceito lingüístico!

Senhoras educadoras, mestras, doutoras, autoras e defensoras desse absurdo sem igual, aprovar material que incentiva o emprego de construções gramaticais impróprias não concorre com a inclusão dos menos favorecidos, nem tampouco auxilia na educação, e sim, consiste em um obstáculo para a formação intelectual do estudante brasileiro. Se permitirmos que as crianças e jovens nos ditem como falar e escrever, com a desculpa da linguagem popular e da língua viva, brevemente talvez possamos mudar alguma lei da física ou da química, ou quem sabe dois mais dois resultará cinco...

Sempre vale à pena relembrar... Mesmo sendo inesquecível!

JURAMENTO DO PROFESSOR

“SOLENEMENTE PROMETO,
NO DESEMPENHO DE MINHAS FUNÇÕES DE EDUCADOR, TRANSMITIR COM LEALDADE, INTEGRIDADE E HONESTIDADE OS ENSINAMENTOS HUMANOS E CIENTÍFICOS QUE FAÇAM DOS JOVENS A MIM CONFIADOS PROFISSIONAIS E CIDADÃOS CONSCIENTES RESPONSÁVEIS E INTELIGENTES.
.SE CRIAR HOMENS EU CONSEGUIR, SENTIR-ME-EI REALIZADO. ASSIM PROMETO”.

Fica minha pergunta: ensinar o correto não está implícito neste juramento?

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Somos modernas ou vingativas?





Estou prestes a completar 45 anos e ainda me surpreendo com algumas constatações em relação à vida.

Fui criada na época da liberação feminina, onde após anos de submissão a mulher ousou em adentrar o mercado de trabalho para de lá não sair mais. Com isso ganhamos em tudo, não há como negar. Mesmo assim me surpreende como até hoje algumas mulheres não conseguem ou não sabem como se comportar diante da vida e suas facetas.

Todas essas indagações vêm se sublinhando em minha mente há muito tempo, já que tenho hoje uma filha adolescente a quem me cabe orientar e passar os valores arraigados em minha família (isso é herança!). Mas após assistir aos novos programas de TV, protagonizados por essa nova geração de mulheres de todas as idades, consigo traçar um novo perfil do comportamento feminino, e não tenho gostado do que vejo.

Há pouco tempo recebi um e-mail onde uma mulher reclamava o quanto havia perdido em ter que trabalhar fora e assim acumular mais funções além daquelas de antes. Sim, é fato que além de trabalhar fora a mulher continua sendo dona de casa, esposa e mãe. Concordo que passamos a acumular mais e mais trabalho em nosso dia a dia, que nos acarretou doenças antes exclusivas aos homens, e perdemos em qualidade de vida, mas daí a achar que era melhor quando não trabalhávamos e éramos tratadas como utensílio de casa é um enorme exagero.

Porém, não acho certo o que se vê nos dias de hoje. Mulheres em casos extraconjugais, boêmias, bebendo tanto quanto ou mais que os homens, permissivas e libertinas demais em seus relacionamentos, e por aí vão às constatações.

Assistindo TV na noite de ontem, pude ver em dois programas de humor, mulheres de hoje relacionando-se abertamente com homens casados, sem nenhum tipo de pudor ou censura, como se fosse a coisa mais normal do mundo, e ainda incentivadas por suas amigas. Lembro-me do quanto as mulheres se queixavam dos maridos infiéis antigamente, o quanto sofriam humilhações em função dessa deslealdade (sim, acho deslealdade a traição), e o quanto criticavam a infidelidade masculina, que causava enorme sofrimento às famílias, gerando muitas separações por parte das mais corajosas, ou mais submissão por parte das menos audazes. Agora, para as mulheres de hoje, isso passou a ser permitido! Só porque passaram de vítima a algoz, podem então se relacionar com os casados como forma de vingança, e o estereótipo dessas mulheres é o da liberal, independente, bem resolvida. Ah! Para o homem continua sendo errado! Em determinada novela da mesma emissora, há um personagem de um homem infiel cujo estereótipo é o do rico, mau caráter e traidor.

Há algo de muito errado nessas mensagens. Sutilmente querem nos provar que as mulheres podem tudo, certo ou errado. Eu não acho isso.

Minha adolescência foi marcada por um programa de TV que nos revolucionou, era o de uma mulher descasada, que tinha que provar à sociedade de então que tinha valor independente de seu estado civil, que podia trabalhar, criar sua filha só e porque não, refazer sua vida ao lado de outro homem. Foi um start na cabeça de muitas de nós, mas não era gratuito, vivia-se ainda a violência contra a mulher fortemente, ainda havia muita submissão e preconceito, foi uma revolução necessária.

Acredito na força da mulher, tento passar isso para minha filha, mas acredito acima de qualquer coisa na igualdade do ser humano: homem, mulher, negro, branco, amarelo, índio, rico ou pobre.  Todos com iguais direitos e deveres. O que é certo para um, certo será para todos e assim por diante, independente da situação. Queimamos sutians para todos sermos iguais, não para nos igualarmos nos erros.O que se está tentando provar? Já conquistamos muito: podemos estudar, trabalhar, namorar, casar, descasar, não casar, ter filhos, não ter filhos, ou seja, podemos tudo mesmo, basta ter coragem e atitude. Mas sempre há limite, para tudo. Não se deve mudar o que é certo ou errado baseado nos estereótipos que a televisão cria e tenta nos fazer engolir sob a pecha do moderno e atual.

Mulheres! Podemos tudo sim! Mas vamos continuar sendo mulheres, mesmo porque só temos a perder masculinizando nossas atitudes em prol de uma igualdade que já conquistamos.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Diário de Catarina - escritório - nova casa velha e "Seu" Ronaldo


Depois de muitos anos na casa adaptada que adorávamos, tivemos que nos mudar para outro lugar que não agradou a ninguém. Tudo o que tínhamos no outro endereço perdemos com a mudança, e quando digo tudo, é tudo mesmo...

No novo endereço perdemos a amplidão e as salas e passamos a contar com o seguinte: um pequeno pátio para estacionamento dos carros (pequeno mesmo); um salão grande no térreo, onde ficava a parte administrativa, dividida por divisórias; no andar superior outro grande salão onde ficava a área técnica e uma pequena sala (também dividida por divisórias) onde ficava o chefe, ou seja, estávamos todos juntos em uma pequena casa que tinha o pé direito1 baixo, que nos dava a impressão de estarmos em um porão. Para quem leu o livro “ O colecionador” de John Fowles fica a dica de imaginar onde ficou a estudante Miranda, quando foi seqüestrada por Freddie. Não, não estou exagerando, depois de anos em uma grande casa arejada, em um bairro nobre da cidade, a sensação de ir para um bairro sombrio, em uma casa de dimensões diminutas era exatamente essa.

Neste nosso novo local, fomos nos adaptando e também passando por novas situações, aqueles que quase não tínhamos contato passaram a conviver diretamente conosco durante o dia todo. Como estávamos em uma sala única, dividida por divisórias, ouvíamos tudo e todos, perdemos completamente a nossa privacidade, e passamos a conhecer a intimidade de todos: se brigou com o marido/mulher; se o filho estava doente; se devia no banco; se tinha dinheiro sobrando para aplicar; se trocou de carro ou apartamento; se era católico, evangélico ou espírita; e por aí vai. A intimidade era total, querendo ou não.

Passamos então a conhecer melhor e conviver com o "Seu" Ronaldo, que era o motorista e fazia todo o serviço de rua: lavar e abastecer os carros no posto; serviço de banco; orçamentos e compras.

Que figura peculiar era o Seu Ronaldo, tanto que merece destaque neste capítulo. Bem mais velho que a maioria,  Seu Ronaldo era separado e com filhos adultos, por isso morava só, sua vida era a repartição e nós éramos os seus amigos. Gostava de ajudar a todos e tinha um bom coração (até demais), e queria arrumar uma nova companheira, mas que fosse bem novinha, assim passamos a brincar muito com ele em função disso. Mas ele era muito voluntarioso e teimoso, o que as vezes irritava algumas pessoas. Tinha um senso de justiça exacerbado e todos os dias comprava seu jornal (aquele bem popular), e de posse das notícias do dia, se punha a discuti-las com qualquer um que se aproximasse. Ninguém lhe dava bola e ficava ele comentando indignado a página policial, com aqueles fatos escabrosos de mortes, assassinatos, assaltos, seqüestros e estupros. Até que passou pela agência um estagiário, que vou chamar de Thales, que adorou seu jeito, e diariamente comentava as notícias com ele. Vamos lembrar que estávamos naquele salão grande, todos juntos, escutando os comentários sobre aquelas notícias diariamente. Tales adorava e suscitava Seu Ronaldo a falar cada vez mais e de forma mais inflamada sobre todos aqueles crimes. Isso ocorria nas primeiras horas da manhã, enquanto Seu Ronaldo aguardava o serviço de rua, ou seja, logo cedo tínhamos um programa novo, um jornal ao vivo, em que Thales era o âncora e Seu Ronaldo o repórter policial, nos brindando todas as manhãs com as notícias mais escabrosas do dia anterior. Ele se inflamava a ponto de avermelhar o rosto enquanto Thales impassível, tal qual um âncora, fazia seu comentário e pedia a análise dos fatos a Seu Ronaldo, que dava sua opinião sempre polêmica, gerando reação na "platéia", atenta mesmo sem querer.

Muitas foram as vezes em que eu e Nelson Augusto nos aproximávamos, e tal qual espectadores interessados, assistíamos a este jornal ao vivo, sob a batuta do estagiário Thales, que ao final das notícias se despedia com um sonoro bom dia. Seu Ronaldo então se retirava e saia da repartição para mais um dia de trabalho na rua e nós ficávamos rindo da forma como ele interagia com a notícia, dizendo como o governo e a polícia deveriam agir, sempre de forma não muito ortodoxa.


Lembrando de fatos assim que percebo como fomos unidos naquela fase tão sombria, em que fomos colocados em uma casa tão inóspita, mas que conseguimos transformar em um lugar habitável e divertido. Quem fez parte daquela história certamente sepultou os maus momentos, e deixa aflorar somente aquilo que nos acrescentou positivamente; a união, o riso, a alegria, a tolerância, o bom viver.

Não faço mais parte daquela repartição, nem tampouco Seu Ronaldo, não sei como vive hoje aquele homem, espero que tenha conservado seu lado bom, e nos momentos difíceis saiba e se lembre o quanto foi importante naquele lugar, o quanto deve estar fazendo falta e o quanto sempre foi querido, a despeito de sua personalidade tão original.

1Pé-direito é uma expressão utilizada em arquitetura, engenharia e em construções em geral, que indica a distância do pavimento ao teto.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Mulheres de Hoje - Conto 4


Aliança


Nara caminhava calmamente pela rua quando parou diante daquela vitrine. Lá estava o objeto de seu desejo mais secreto exposto em destaque, a aliança de brilhantes da famosa joalheria.

Imediatamente as lembranças vieram-lhe a cabeça, e recordou de quando era adolescente e sonhava com aquela aliança. Achava que era só encontrar o príncipe, pois a aliança viria embutida no pacote. Seria o símbolo do amor correspondido dado por ele.

Mais adulta percebeu que não seria qualquer príncipe que lhe daria a tão sonhada aliança, e com os pés fincados na realidade abstraiu seu desejo material, atendo-se aos valores verdadeiramente importantes para eleger aquele que seria o seu companheiro, pois nesta altura não acreditava mais em príncipes.

Um pouco mais madura, com o olhar voltado para a família formada, reconheceu seu valor, se orgulhou de seus feitos, errou em outros tantos, e mais fortalecida reparou que as escolhas foram corretas, que a paz e felicidade foram conquistadas. Mas a aliança continuava na vitrine da famosa joalheria.

Com seu habitual conformismo, olhou para a vitrine e ponderou que a aliança não lhe fez falta, e que talvez até pudesse ter em suas mãos uma idêntica, mas teria de ter mudado algumas opções, não deveria ter cometido alguns erros, poderia ter exigido a prova adolescente do amor verdadeiro.

Mas o que teria mudado?

Continuou a ver as vitrines pois não conseguiu a resposta, e talvez nunca a tenha.

Tal qual a aliança que teima em  permanecer na vitrine...

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Pensar... é preciso


"Pensamentos são como gotas d'água. Se eu penso nas mesmas coisas o tempo todo, estou criando uma imensa massa de água. Se meus pensamentos são negativos, posso me afogar no mar da minha própria negatividade. Se são positivos, posso flutuar no oceano da vida."
Louise Hay

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Diário de Catarina - escritório - colegas III



Ao longo dos anos, os vários colegas que passaram pela repartição deixaram lembranças, até que eu mesma fui embora, deixando velhos e novos colegas naquele lugar onde vivi anos muito bons.

Lembro-me de que os fumantes fumegavam livremente em suas mesas, deixando incomodados muitos colegas, quando veio a proibição de se fumar dentro da repartição, obrigando então a criação de um lugar específico que chamávamos de “fumódromo”.

Nada mais era que um banco grande, no canto do quintal, onde se reuniam todos os fumantes e também vários não fumantes (inclusive eu!). Lá todos tomavam um café, conversavam, riam, riam mais um pouquinho e também fumavam. Alguns freqüentavam o espaço com mais assiduidade, já que a dependência do cigarro falava bem alto, outros até diminuíram o cigarro, e haviam aqueles que mesmo sem fumar compareciam para um papinho. O nosso fumódromo era um lugar muito divertido que logo passou a se chamar “fofocódromo”.

Recordo-me também que já não estávamos na casa adaptada e sim em um novo endereço que merecerá uma descrição mais detalhada brevemente.

O fumante mais inveterado da repartição era o colega que chamarei de Nelson Augusto, que subia e descia ao fumódromo várias vezes por dia, ou seja, quase sempre estava lá. Os colegas iam e vinham e Nelson Augusto continuava lá no banco com seu cigarro. Até que um dia Nelson Augusto desceu com seu cigarro e um jornal, que não conseguiu ler, pois sempre chegava alguém para interrompê-lo.

Nesta época havia um programa de humor na televisão chamado “A Praça é Nossa”, onde vários esquetes se passavam em um banco de praça, em que o dono do programa tentava ler um jornal e sempre era interrompido pelos personagens, que passavam por lá para importuná-lo. E assim nosso fumódromo evoluiu, tornando-se um programa de humor, já que toda vez que eu passava pelo local, lá estava Nelson Augusto fumando e ouvindo alguma história dos personagens que desfilavam durante todo o dia. As histórias que surgiam desses momentos eram deliciosas, e todos riam muito comparando o programa humorístico com nosso dia a dia. Devo dizer que não foram poucas as vezes que nosso “programa” era bem mais engraçado que o original, pois Nelson Augusto com seu humor mordaz fazia muito bem seu papel, fazendo graça de tudo e de todos, sempre com seu inseparável cigarro. 

O único que não apreciava nosso “programa” era o chefe de então, que desde o início da sua gestão quis imprimir um tom austero a repartição, o que não combinava de forma alguma com aquela população de pessoas que sempre foi, a despeito de qualquer coisa, de bem com a vida.

Depois de o nosso programa ter saído do ar, já que muitos personagens foram transferidos ou demitidos, incluindo o ator principal, Nelson Augusto, ele deve ter ficado satisfeito, mas nós levaremos sempre na lembrança os dias felizes e ensolarados que vivemos.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Diário de Catarina - escritório - Colegas II




Bom dia Catarina!

E mais um dia começava naqueles muitos dias de minha vida na repartição.

A vida ali era diferente, eu que havia trabalhado na sede da empresa com mais de dois mil funcionários, passei a trabalhar em uma repartição com pouco mais de cinqüenta pessoas, em uma casa adaptada.

Minha vida havia mudado muito, estava com minha filha de seis meses, transferida para mais perto de minha casa, era um período de adaptações em tudo, na vida e no trabalho.


Apesar de atender ao público externo, que não nos deixa seguir uma rotina pré-estabelecida de trabalho, os dias eram quase sempre iguais.

Chegava à minha sala, e se já não houvesse alguém do público externo para receber, me dirigia à sala anexa bater um papinho com as colegas, que serão chamadas de Sofia e Solange, e tomar um café (tínhamos uma cafeteira própria!). Lá tratávamos de tudo: capítulo da novela anterior (com direito a análises sócio-culturais), o cardápio do jantar (com direito a receita), reclamações do marido, filhos, família, chefe e etc. (com direito a conselhos), moda, viagens, notícias e fofocas da empresa. Um ambiente de muita descontração com muitas risadas, que nos fez dispensar muitas vezes, anos de terapia. Quando uma de nós não chegava bem por algum motivo particular, após discorrermos sobre todos esses assuntos já ficávamos refeitas para enfrentar o dia de trabalho.

Passamos a andar sempre juntas e ganhamos vários apelidos dos outros funcionários: Mimi, Cocó e Ranheta; as irmãs Cajazeiras, as meninas super-poderosas e por aí vai.

A hora do almoço deveria ser um capítulo a parte, trabalhávamos próximo de um centro comercial e fatalmente, após almoçarmos, dávamos uma voltinha para ver as vitrines. Sempre, eu disse sempre, uma de nós voltava com uma sacola: uma blusa, um baton, um sapato, outro sapato, uma sandália, roupa para o filho, um descascador de camarão, uma tigela, um enfeite e etc. Logo cedo já nos programávamos:  “Hoje tenho que ir lá no centro comercial na hora do almoço ver/comprar .........”. Acho que nunca compramos tantas roupas e sapatos como naquela época, sempre com o apoio das outras duas que, por não querer gastar sozinha, convencia a outra de como aquilo era imprescindível, como a roupa tinha caído bem, como o sapato era lindo e assim por diante.

Veja como mulher se protege para as compras, quando o horário extrapolava muito, uma voltava para repartição enquanto as outras continuavam na loja (uma comprando e a outra dando suporte).

Criamos vários bordões dignos de fazer parte de programas humorísticos, alguns copiamos da televisão, outros foram criados na nossa realidade,  vou contar cada um deles e suas explicações de acordo com as situações. Em relação aos atrasos falávamos o seguinte:

“Fica aí que eu volto e seguro tudo, tudo, tudo amigaaaa”  ou
“ Vai lá que eu  fico e seguro tudo, tudo, tudo amigaaaa”.

Assim mesmo, três vezes o “tudo” e o amiga com a sílaba tônica no “a” final.

No começo ríamos muito com nossos bordões, depois aquilo se incorporava de tal forma ao nosso vocabulário que falávamos naturalmente não nos causando mais impacto, porém, quando soltávamos algum deles para outras pessoas, estas nos olhavam espantadas, tentando entender o que queríamos falar, incluindo nossos maridos.

A vida no serviço público por vezes é muito difícil, temos que conviver com muitas injustiças e tudo é muito moroso para se resolver, mas sabíamos nos abstrair desse clima pesado e criar uma atmosfera descontraída e feliz, a despeito dos problemas que pudéssemos estar passando. Nossa convivência era praticamente restrita ao escritório, cada qual tinha uma vida completamente diferente uma da outra, somos três personalidades completamente diferentes, e talvez por isso nossa convivência tenha sido tão enriquecedora e tenha dado tão certo por um longo período, sem brigas, com muitas risadas e companheirismo.

Hoje cada uma de nós trabalha em uma repartição diferente, mas sempre nos lembraremos da nossa convivência como se fosse um casamento muito feliz, mas que acabou porque a vida de cada uma foi mudando, novos personagens se incluíram nessa convivência. O golpe final e certeiro que selou nosso divórcio foi a transferência de cada uma para outros escritórios, encerrando um ciclo que nos trouxe muita alegria e evolução pessoal e que ficará na saudade.