Não foi a libertação
do medo,
mas o equilíbrio do
medo,
que tornou possível a sobrevivência da nossa
civilização.
Golda Meir
A cada dia que passa na
fisicalidade, em que os anos pesam, fica mais nítida a herança genética
recebida ainda no ventre. Aquilo que pensávamos ter esvanecido na memória
aparece nitidamente, e o que víamos em nossos pais, apresenta-se em nosso corpo.
Estas memórias, frases e ditados voltam em momentos específicos. Um bastante marcante para mim é quando na infância, adolescência e até juventude, pedia dinheiro ou algo para meu pai e ele, sempre muito generosamente dava, e muito orgulhosamente repetia: “aproveita enquanto o Brás é tesoureiro”. Eu, sempre muito curiosa, partia para pesquisar essa origem, obviamente sem google e afins. Muito tempo depois entendi o significado, pois a origem do bordão é controversa, mas quer dizer unicamente para que se aproveite o tempo presente porque ele passa e nada será como antes. Pura verdade das muitas proferidas pelo meu sábio pai.
Outra ainda no meu microcosmo,
repetida muitas vezes, desta vez pela minha mãe, é a de quando perguntávamos
para ela, se estava tudo bem, ela falava: “Tudo como dantes no quartel de
Abrantes”, dessa vez para dizer que estava tudo como sempre, sem
nenhuma alteração, mesmo sabendo que existiam alguns problemas. E tal qual o
significado histórico de tal frase (*), levando-se em conta a sua
personalidade, o mundo podia estar desabando, mas ela queria acreditar que
estava tudo bem, como sempre ela queria que estivesse.
Agora, levando essa frase para o macrocosmo, ou seja, o país, o mundo, o planeta, é bastante peculiar como algumas pessoas continuam vivendo como se estivesse tudo calmo no quartel de Abrantes, ignorando a ebulição pela qual passa a humanidade.
Temos diante dos nossos olhos uma
mudança profunda do nosso viver desde o início deste século. Intensas alterações sociais e tecnológicas, que nos colocaram no caos que temos
vivenciado, e muitos ainda permanecem com o mesmo pensar, os mesmos hábitos e
posturas do antigo século, ignorando a evolução do mundo. Aliás, na minha
observação, esse mesmo caos é muitas vezes causado pela incapacidade da maioria em
mudar o pensar e algumas atitudes, teimosamente iludidos que nada podem fazer.
E aí podemos elencar muitas
formas de assim ser; o que se coloca como vítima; ou aquele que se estiver tudo
bem para si e os seus, não interessa o restante; o resignado que aguarda um
salvador para salvar o mundo, e por aí se vai com o planeta nitidamente agitado,
muitos perdidos.
Não há receita ou agente externo
que possa nos dizer o que fazer, mas, concluo, diante da observação de todas essas
alterações, e pelas minhas próprias experiencias, que não há outra forma que
não seja a do autoconhecimento.
Cada um, como universo particular
que é, tem seu tempo para processar tudo ao seu redor, se quiser. Entender as
mudanças pelas quais passamos de uma forma equilibrada, e assim abrir a mente e
colaborar com a evolução, requer conhecer-se profundamente, de modo a
justamente alcançar esse equilíbrio. Ou seja, para equilibrar esse conflito
entre os sentimentos e a razão, é preciso entender-se para trabalhar essa
enorme dificuldade. Trabalho árduo, onde passa ser totalmente justificável o
porquê tantos ainda que não querem ter essa percepção e continuar vivendo apontando culpados,
ou resignados em dogmas e crenças à espera da salvação, ou na ilusão que para
si está tudo bem.
Cada um com sua escolha!
Da minha parte, passados esses anos que aqui estou neste planeta, estou buscando esse caminho de saber afinal, quem
sou. Uma viagem em uma estrada totalmente acidentada, em que cada buraco foi
causado por mim mesma, na autossabotagem das minhas crenças, na minha criação,
no meu meio, e também na
minha ancestralidade.
Mas acredito firmemente ainda, que nesta jornada, onde muitas vezes tenho parado e depois volto a seguir em frente, chegarei ao meu propósito, quebrando padrões que foram aprendidos, mas que não me pertencem, rompendo com crenças que me limitam emocionalmente e espiritualmente, e principalmente honrando minha ancestralidade com minha evolução. Só assim entendo que conseguirei modificar o meio em que vivo, para um lugar melhor e de boas vibrações, sem ignorar que o “quartel de Abrantes” não está calmo e lutar pela sua segurança, mas, ao mesmo tempo aproveitar enquanto “o Brás é tesoureiro”.
Ao equilíbrio!
(*) A expressão refere-se a um período em que o
general francês Junot instalou seu quartel em Abrantes, Portugal, e o governo
português não fez nada para se opor à invasão. Em resumo: "Tudo como
dantes no quartel de Abrantes" é uma forma de dizer que, apesar de
mudanças aparentes nada se faz para
resolver um problema.