Páginas

quarta-feira, 30 de abril de 2025

Afinal, o quartel de Abrantes está calmo?

 




Não foi a libertação do medo,

mas o equilíbrio do medo,

 que tornou possível a sobrevivência da nossa civilização.

Golda Meir



A cada dia que passa na fisicalidade, em que os anos pesam, fica mais nítida a herança genética recebida ainda no ventre. Aquilo que pensávamos ter esvanecido na memória aparece nitidamente, e o que víamos em nossos pais, apresenta-se em nosso corpo.

Estas memórias, frases e ditados voltam em momentos específicos. Um bastante marcante para mim é quando na infância, adolescência e até juventude, pedia dinheiro ou algo para meu pai e ele, sempre muito generosamente dava, e muito orgulhosamente repetia: “aproveita enquanto o Brás é tesoureiro”. Eu, sempre muito curiosa, partia para pesquisar essa origem,  obviamente sem google e afins. Muito tempo depois entendi o significado, pois a origem do bordão é controversa, mas quer dizer unicamente para que se aproveite o tempo presente porque ele passa e nada será como antes. Pura verdade das muitas proferidas pelo meu sábio pai.

Outra ainda no meu microcosmo, repetida muitas vezes, desta vez pela minha mãe, é a de quando perguntávamos para ela, se estava tudo bem, ela falava: “Tudo como dantes no quartel de Abrantes”, dessa vez para dizer que estava tudo como sempre, sem nenhuma alteração, mesmo sabendo que existiam alguns problemas. E tal qual o significado histórico de tal frase (*), levando-se em conta a sua personalidade, o mundo podia estar desabando, mas ela queria acreditar que estava tudo bem, como sempre ela queria que estivesse.

Agora, levando essa frase para o macrocosmo, ou seja, o país, o mundo, o planeta, é bastante peculiar como algumas pessoas continuam vivendo como se estivesse tudo calmo no quartel de Abrantes, ignorando a ebulição pela qual passa a humanidade.

Temos diante dos nossos olhos uma mudança profunda do nosso viver desde o início deste século. Intensas alterações sociais e tecnológicas, que nos colocaram no caos que temos vivenciado, e muitos ainda permanecem com o mesmo pensar, os mesmos hábitos e posturas do antigo século, ignorando a evolução do mundo. Aliás, na minha  observação, esse mesmo caos é muitas vezes causado pela incapacidade da maioria em mudar o pensar e algumas atitudes, teimosamente iludidos que nada podem fazer.

E aí podemos elencar muitas formas de assim ser; o que se coloca como vítima; ou aquele que se estiver tudo bem para si e os seus, não interessa o restante; o resignado que aguarda um salvador para salvar o mundo, e por aí se vai com o planeta nitidamente agitado, muitos perdidos.  

Não há receita ou agente externo que possa nos dizer o que fazer, mas, concluo, diante da observação de todas essas alterações, e pelas minhas próprias experiencias, que não há outra forma que não seja a do autoconhecimento.

Cada um, como universo particular que é, tem seu tempo para processar tudo ao seu redor, se quiser. Entender as mudanças pelas quais passamos de uma forma equilibrada, e assim abrir a mente e colaborar com a evolução, requer conhecer-se profundamente, de modo a justamente alcançar esse equilíbrio. Ou seja, para equilibrar esse conflito entre os sentimentos e a razão, é preciso entender-se para trabalhar essa enorme dificuldade. Trabalho árduo, onde passa ser totalmente justificável o porquê tantos ainda que não querem ter essa percepção e continuar vivendo apontando culpados, ou resignados em dogmas e crenças à espera da salvação, ou na ilusão que para si está tudo bem.

Cada um com sua escolha!

Da minha parte, passados esses anos que aqui estou neste planeta, estou buscando esse caminho de saber afinal, quem sou. Uma viagem em uma estrada totalmente acidentada, em que cada buraco foi causado por mim mesma, na autossabotagem das minhas crenças, na minha criação, no meu meio,  e também na minha ancestralidade.

Mas acredito firmemente ainda, que nesta jornada, onde muitas vezes tenho parado e depois volto a seguir em frente, chegarei ao meu propósito, quebrando padrões que foram aprendidos, mas que não me pertencem, rompendo com crenças que me limitam emocionalmente e espiritualmente, e principalmente honrando minha ancestralidade com minha evolução. Só assim entendo que conseguirei modificar o meio em que vivo, para um lugar melhor e de boas vibrações, sem ignorar que o “quartel de Abrantes” não está calmo e lutar pela sua segurança, mas, ao mesmo tempo aproveitar enquanto “o Brás é tesoureiro”.

 

Ao equilíbrio!


(*) A expressão refere-se a um período em que o general francês Junot instalou seu quartel em Abrantes, Portugal, e o governo português não fez nada para se opor à invasão. Em resumo: "Tudo como dantes no quartel de Abrantes" é uma forma de dizer que, apesar de mudanças aparentes  nada se faz para resolver um problema.