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segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Cores da vida


Aquele parecia ser mais um dia tedioso, daqueles que ao acordar, viramos para o lado e perguntamos a nós mesmos se não podemos ficar na cama.

Já no banheiro, Stella começava a enumerar os diversos afazeres do dia: Ir para o trabalho; agendar seus exames médicos; buscar o filho na escola; supermercado... De certo mesmo, só a correria, já que não conseguia um minuto para si. No trânsito relaxava, ouvia música e pensava naquilo que poderia ter feito e no que poderia fazer para tornar a rotina mais agradável, e nos mais ou menos cinquenta minutos de deslocamento de casa ao trabalho, traçava metas que tentava cumprir com determinação, porém, muitas dependiam de um pouco de sorte... A vida seguia em preto e branco.

Já tinha lido vários livros de autoajuda na tentativa de clarear a mente e se conhecer melhor. Não que acreditasse que lhe ajudariam, mas achava que o autoconhecimento lhe fortificaria o caráter e a vontade, mas tudo ficava na teoria.

Nesses devaneios diários, dirigia mecanicamente no caótico trânsito. Até que um dia, desses de chuva, numa distração, o carro bateu violentamente contra o guard-rail. Uma batida nem tão grave, mas que deslocou o pescoço violentamente e a imobilizou na hora com uma dor de cabeça lancinante.

Essas pancadas que a vida dá, muitas vezes literais, para nos fazer parar e pensar nela...

Sem poder se mexer, após ser socorrida, soube estar com uma lesão cervical que lhe deixaria imobilizada por um tempo. Imaginou que se sobrevivesse  ela mesma iria escrever um novo livro de autoajuda...

Hora de trabalhar em causa própria.

No começo veio a revolta e o desanimo, depois, inteligentemente concluiu que tudo continuava a andar como sempre, de outra forma, mas andando. Decidiu então olhar para dentro de si e acordou.

Ah! Essa rotina do dia a dia que nos afasta de nós mesmos, quantos não perdem a vida por isso. Sorte daquele que no fundo do poço acha uma mola, e pula de volta pra vida...

Assim foi para Stella, achou sua pequena mola no fundo e ainda sem saber como, completamente imóvel fisicamente, sacudiu sua alma e pulou até achar a luz.

Neste trajeto percebeu que não se importava mais com algumas coisas antes tão importantes. Alguns fatos que sempre fizeram tanto sentido passaram a não significar mais nada. As compras, a casa, o carro, as viagens... Em contrapartida outras tão abstratas passaram a ter todo o sentido. A fé, a vontade, o amor, a amizade, um cheiro, um gosto, um olhar.

Do teto branco do seu quarto de hospital, começava a enxergar várias cores nunca percebidas quando vivia no meio do arco-íris. Agora o tempo fez parada do seu lado, dando a chance de localizar perfeitamente onde esta a tal mola... Ia perder essa chance?

Mudanças bruscas na rotina de quem nunca quis sair dela é difícil, mas para Stella foi mais fácil do que ela imaginava. Ela que sempre foi avessa a mudanças teve que enxergar nisso a oportunidade de viver, e fez essa opção. Ao optar pela vida, facilitou tudo.

E não é que em meio aos dolorosos tratamentos, cirurgias, fisioterapias e medicações, está mais serena? Encontrou dentro de si mesma uma força esquecida. Essa determinação a deixou  mais calma, e porque não dizer; mais feliz...

Uma nova rotina se estabeleceu, mas entendeu que não durará para sempre e não sofre mais por isso. Em um paradoxo conseguiu sentir que a inconstância da vida nos deixa mais firmes para desfrutá-la.

Em meio a sua estrada entendeu que a felicidade é o caminho e não o destino. Ainda em sua cadeira de rodas, indo para mais um dia de fisioterapia, enxerga todas as cores do caminho. Espera poder andar novamente, continua lutando para isso, mas se não conseguir, não vai mais perder o colorido da vida. Enxergar em preto e branco? Nunca mais.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Como nossos pais...




Quando eu ouvia a música “Como nossos pais” de Belchior, nos anos de minha adolescência e juventude, tentava entender aquela mensagem, mas tinha certeza que a cantaria nos anos da maturidade. Intuição que me persegue... Graças a Deus!

Pois é, a maturidade chegou, o mundo é outro, mas canto essa música com a atualidade de sua mensagem, mesmo que hoje as indagações dos jovens sejam outras, e eles próprios sequer conheçam essa canção, nem o autor.

Nova postura, nova polemica, nova sociedade. Nova sociedade? Será?

Naquela época pedíamos por liberdade, mas para tê-la, precisávamos ser independentes, o que era muito custoso e dependia de privações e sacrifícios. Mas a minha geração conquistou isso, e prometeu que não deixaria que os filhos passassem pelo mesmo problema. Daríamos a liberdade, para que eles  pudessem alçar seu voo tranquilamente, sem todo aquele sacrifício de estudar a noite, trabalhar o dia todo, submeter-nos as ordens dos pais, a repressão paterna e tantas e tantas proibições. Sem contar que demos uma infância mais livre, sem tantas proibições para que pudessem expressar livremente seus pensamentos e os discutissem sem problemas conosco. Nossas proibições, quando existiam, eram com argumentos embasados.

Hoje pergunto: Isso foi suficiente? Resolveu o problema que nós tivemos? Eles entenderam isso? Ou somos os novos repressores?

Resolveu aquele problema, criou outros, e assim a música fica atual, porque nos vemos forçados a ser como nossos pais, e a juventude, por outros motivos não se interessa pela nossa experiência, assim como não nos interessava a de nossos pais.

Vejo hoje, os amigos transgressores de ontem, desestruturados, filhos desgarrados e amorais (que é muito pior do que ser imoral). E aqueles que acataram as ordens paternas e buscaram ser independentes com todo o sacrifício que se exigia, estão melhores na sua maioria, estruturados, porém com dificuldades em gerir essa geração de hoje, que é individualista ao extremo. Voltados para o seu mundo particular, com o conforto que nós mesmos proporcionamos.

A liberdade empenhada nos trouxe jovens perdidos em seus conflitos, já que tudo pode e tudo é possível ser ou fazer. Essa angústia é válida? O que era melhor? Isso é evolução? O tempo dirá...

É o lamento de alguém que olha o mundo atual com medo, medo do que possa ser novo no futuro próximo, do que será novidade amanhã, quais gagets serão inventados com o propósito de aproximar as pessoas e num paradoxo as afastar cada vez mais dos seus próximos.

E com esse medo acabo me transformando num ser “como nossos pais”, tentando retroceder um pouco.



Não quero lhe falar,
Meu grande amor,
Das coisas que aprendi
Nos discos...
Quero lhe contar como eu vivi
E tudo o que aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar
Eu sei que o amor
É uma coisa boa
Mas também sei
Que qualquer canto
É menor do que a vida
De qualquer pessoa...
Por isso cuidado meu bem
Há perigo na esquina
Eles venceram e o sinal
Está fechado prá nós
Que somos jovens...
Para abraçar seu irmão
E beijar sua menina na rua
É que se fez o seu braço,
O seu lábio e a sua voz...
Você me pergunta
Pela minha paixão
Digo que estou encantada
Como uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade
Não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento
Cheiro de nova estação
Eu sinto tudo na ferida viva
Do meu coração...
Já faz tempo
Eu vi você na rua
Cabelo ao vento
Gente jovem reunida
Na parede da memória
Essa lembrança
É o quadro que dói mais...
Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Como os nossos pais...
Nossos ídolos
Ainda são os mesmos
E as aparências
Não enganam não
Você diz que depois deles
Não apareceu mais ninguém
Você pode até dizer
Que eu tô por fora
Ou então
Que eu tô inventando...
Mas é você
Que ama o passado
E que não vê
É você
Que ama o passado
E que não vê
Que o novo sempre vem...
Hoje eu sei
Que quem me deu a idéia
De uma nova consciência
E juventude
Tá em casa
Guardado por Deus
Contando vil metal...
Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo, tudo,
Tudo o que fizemos
Nós ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Como os nossos pais...

Belchior

quinta-feira, 14 de março de 2013

Filosofando...


Vivemos cercados de verdades, dogmas e termos em nosso dia a dia que se confundem e nos atrapalham nas questões da vida cotidiana. Palavras como democracia, justiça, liberdade, direitos, verdade, realidade, fazem parte de nosso vocabulário sem que tenhamos tempo de interpretá-las da forma correta. É certo que em cada geração elas podem ter sentidos distintos, porém, seu significado é  imutável desde a antiga Grécia.

Os primeiros pensadores, aqueles que primeiro se conscientizaram da própria ignorância, e por isso criadores das primeiras concepções filosóficas, nos deixaram os significados destas e de outras tantas palavras. Mas será que as utilizamos de forma correta? Será que realmente conseguimos entender? Eu não. Tento, me esforço, mas certamente não possuo a mente ainda liberta de conceitos e dogmas impregnados no decorrer da vida. Mas continuo tentando.

Um exemplo: Vivemos mesmo em uma Democracia? Segundo os melhores dicionários democracia é o “sistema político cujas ações atendem aos interesses populares”. Ora, não é preciso ser um bom observador para enxergar que não é esse o regime político que nos rege!

Os mais condescendentes poderão dizer que é um processo em evolução, pois saímos de uma ditadura e estamos engatinhando para uma democracia plena. Não aceito. Então não é ainda! É preciso achar um novo termo para esse nosso regime político. “Tirania Coletiva” talvez? É uma ideia... Cabe bem ao vermos o significado do que é ser tirano.

Não se trata de ser purista e sim de usar o significado das palavras no seu sentindo real, sem querer iludir ou enganar a quem quer que seja, para assim entender as diversas e diferentes questões do nosso dia a dia que se apresentam.

Deparamo-nos hoje em dia com barbáries que ora nos assustam pelo ineditismo, ora não nos causa reação pelo fato corriqueiro. Nestas ocasiões clama-se por Justiça! Ela existe igualmente para todos? Claro que não, responderão todos sem pestanejar. E então? Fujamos todos para as diversas religiões existentes, buscando abrigo para ficarmos imunes às barbáries e injustiças dela decorrentes. Será a solução? Mas se a solução não for para todos, então não é justiça.

A nossa justiça não usa a venda da imparcialidade, não usa a espada para que se faça valer para todos e tampouco tem a balança nas mãos que dá equilíbrio e ponderação.

Estamos na era da informação imediata, tudo é falado e mostrado sem reservas, tudo se sabe, podemos falar sobre tudo, mas falta-nos mobilização e ação. Será porque é tudo claro demais, falado demais?

Muitos dizem estarmos no fim do mundo. Está escrito! É o apocalipse! Dirão alguns. Acho que é mesmo, pois, se novamente virmos o real significado desta palavra, eis a melhor tradução para tudo o que estamos vivendo. E talvez não devesse ser de todo negativo, senão não estaria escrito!

O perigo está em que deste fim não se faça um bom começo, e esse é o meu medo... Crianças e mais crianças chegando neste planeta para receber o que? Que tipo de valores?

É bom que se reflita seriamente. No meio de tantas campanhas por solidariedade, fraternidades e pelo planeta antagonicamente se veem constantes demonstrações de egoísmo, desarmonia e desperdícios. Falsos moralistas em profusão, com regras e leis próprias para o seu bem viver, diferentes das apregoadas o próximo.

Muitas ideias e pensamentos jogados formando frases, buscando ligação entre si, tentando entender a nova realidade cada vez mais conturbada, um novo sentido às ideias constantemente massacradas no nosso dia a dia pela mídia, uma nova forma de enxergar o mundo condizente com o nosso século XXI, mais rápido e incisivo.

Temos pressa, buscamos, corremos e ao mesmo tempo estamos paralisados, impedidos de pensar por esta mesma pressa. O que é mesmo o apocalipse?

E tudo passa num piscar de olhos!

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Mais um ano...



Mais um ciclo se fecha,  em uma velocidade que só se percebe quando ao olharmos no calendário, vemos os meses que passaram e o fim de dezembro próximo.

Lugar comum dizer que o ano foi difícil... acho que é melhor agradecer as provações que me fizeram mais forte e aguardar a felicidade que me faça mais doce.

Ainda com o gosto natalino na boca, procuro incorporar as mensagens de paz e amor no meu dia a dia. Exercício diário na tentativa de ser uma pessoa melhor.

As alegrias estiveram presentes, alguns frutos colhidos, mas a luta continua mais e mais... A fase ainda é de trabalho... muito trabalho... no aguardo da roda gigante da vida girar, para que eu possa ver a paisagem lá de cima!


Renova-te.

Renasce em ti mesmo.
Multiplica os teus olhos, para verem mais.
Multiplica os teus braços para semeares tudo.
Destrói os olhos que tiverem visto.
Cria outros, para as visões novas.
Destrói os braços que tiverem semeado,
Para se esquecerem de colher.
Sê sempre o mesmo.
Sempre outro. Mas sempre alto.
Sempre longe.
E dentro de tudo.

Cecília Meireles


FELIZ 2013!

Opa! o 13 é meu número da sorte!!! 

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

NOSSA CASA DE PRAIA



Tinha mais ou menos dez anos quando meu pai construiu a nossa casa de praia, próxima a São Paulo, onde morávamos.  Vendo as obras no início, no local onde foi construído um dos banheiros, imaginei tudo pronto e consegui enxergar nossa família rindo, brincando e aproveitando a casa. Vislumbrei o passar dos anos naquele pedaço de terra, ainda sem piso, que ali seríamos muito felizes. Esqueci, na inocência da minha infância, que também haveria tristeza e dor. Claro, afinal era a vida real.

Durante a construção, acompanhada de perto por meu pai, víamos subir semana após semana uma linda casa, com uma sala ampla, dois quartos, e toda avarandada para um belo quintal. Próxima da praia, ansiávamos por vê-la pronta e assim desfrutar os dias de verão naquele local ainda bem desabitado, com pouquíssimos veranistas. E assim, em dezembro de 1976, passamos a ter endereço certo nas férias.

Em nossa casa de veraneio, inicialmente amarela, vivemos tudo o que foi de bom e ruim de nossas vidas.

No começo tudo era alegria, muito sol, praia, amigos e familiares. Íamos logo após o natal e lá rompíamos o ano novo e adentrávamos janeiro e fevereiro, voltando somente para o início das aulas. Podíamos levar amigas, e eu particularmente sempre tinha a companhia de alguma amiga para desfrutar nas férias. Plantamos mudas de coqueiros e pinheiros e pudemos acompanhar seu crescimento.

Os problemas começaram quando a novidade passou e a adolescência chegou. Passamos a não gostar, principalmente minhas irmãs, de ficar isoladas por quase dois meses na praia, sem telefone e o convívio com a cidade grande. As paqueras e os namoros começavam e meu pai ficava furioso por preferirmos ficar em São Paulo ao invés de desfrutar os dias de sol na praia, na casa construída por ele, para nós.

Anos difíceis vieram, sobrepujando as alegrias das festas de fim de ano, onde pedíamos por um ano abençoado, sempre com muita alegria e esperança.

Sempre que ia naquele banheiro, no mesmo local da minha primeira visita à casa ainda sem piso e telhado, invariavelmente me lembrava do dia em que enxerguei nossa vida lá. Dois sentimentos se alternavam nessas horas, ou estava mais feliz do que imaginei ou tão triste como nunca pensei que pudesse estar.

O tempo passava e a casa e nós nos modificávamos. A piscina foi construída, depois um deck, churrasqueira e muitas outras coisas pensadas por meus pais. Meu pai fazia melhorias na esperança da casa ficar mais atrativa para nós, para que fossemos para lá alegres, sem a incômoda sensação de estarmos lá obrigadas.

Comemorei dois aniversários marcantes, de dezesseis e dezessete anos, naquela casa. Levei aproximadamente vinte amigas para lá, em festas que duravam um final de semana inteiro. Tentava aproveitar a casa da melhor forma possível, de forma a tornar a ida para praia mais prazerosa e com menos brigas.

Marcantes Reveillons, sempre com muitos amigos, todos de branco, com direito a desfile até a praia cantando e tocando, para pular as sete ondas no mar; os carnavais com muita marchinha noite adentro e tantas outras ocasiões que pudemos dar e receber alegria de todos os amigos e familiares; finais de semana e férias com jogos de carta, campeonatos de pebolim e pingue pongue, sem esquecer as filmagens de filmes caseiros onde meu pai era o autor e diretor e nós os atores. Os anos foram passando. Dezenas de fotos marcaram estas ocasiões de muita alegria e felicidade.

Quando me casei, a última das filhas, meu pai resolver ampliar a casa. Já tinha um neto e talvez esperasse mais alguns, portanto os dois quartos da casa eram poucos, apesar de sempre termos nos acomodado muito bem na sala, que era muito grande. Mesmo assim, no ano de meu casamento iniciou-se a reforma da casa, com a subida de um novo andar, tornando aquela casa térrea amarela, em um enorme sobrado com quatro quartos, cinco banheiros, banheira de hidromassagem, sala de TV e jogos, e duas churrasqueiras.

Antes da conclusão da reforma meu pai se aposentou, e com a dificuldade de manter duas casas, e sem querer se desfazer da casa da praia, após alguns reveses, meus pais se mudaram em definitivo para praia. Aquela que era a casa de veraneio passou a ser a residência. Um enorme sobrado para um casal... Em um bairro de veranistas...

Íamos rotineiramente para lá, bem menos do que gostariam meu pai e minha mãe. Com dois netos, agora eu já tinha uma filha, tiveram que se adaptar a sair de São Paulo, e passaram a se ocupar mantendo a casa, exageradamente grande para os dois, e a esperar nossas visitas e a dos netos.

Assim, mais dez anos se passaram. Em uma nova vida caiçara, curtiram a infância dos netos, hoje crescidos, que adoravam a casa grande do vovô e da vovó, onde tudo se podia fazer; nadar, correr, brincar, jogar, ir à praia, churrasquear, comer bobagens, curtir os avós.

A última grande festa que ocorreu na casa foi o aniversário de oitenta anos de meu pai. Depois disso ele adoeceu. A casa passou a abrigar meu pai doente e minha mãe cuidadora. Nossas visitas agora eram para vê-los, assistir a ele e minha mãe. Mais dois natais se passaram e reveillons mais comedidos e íntimos. Até que ele se foi em julho, deixando para trás a sua casa querida, que abrigou alegrias e tristezas de nossa vida em família.

A partir daí tivemos que deixa-la para trás também. Fechamos a porta da casa uma semana depois de sua partida, e depois de dois meses guardamos louças, doamos móveis, e a casa está à venda. Neste mesmo dia desativamos a casa para deixa-la mais livre para a visita de possíveis compradores.

Vamos voltar mais vezes, ainda há muita coisa lá para ser retirada, e quando estiver lá pela última vez, quero entrar naquele banheiro e agradecer pelos trinta e seis anos lá vividos, com lembranças boas e ruins, maravilhosas e terríveis. Certa de termos vivido verdadeiramente como uma Família.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Feliz Ano Novo!



Hoje é como o dia de ano novo! 


Após o carnaval, vamos sepultar o natal, o fim de ano, as férias e entrar de cabeça em 2012 antes que ele acabe! E não é exagero.

Lembrei-me hoje de quando, aos quinze anos, conjecturava junto às minhas amigas, o que eu estaria fazendo quando chegasse o ano 2000. Estávamos nos anos 80 sob impacto da leitura do livro de George Orwell, 1984, e seu Big Brother, o original. Brincávamos com a hipótese do fim do mundo, que seria em 2000. Na ocasião eu fazia a conta de que iria estar com 34 anos, velha. E se o mundo acabasse? Tudo bem, já teria vivido o bastante. 

Não existiam ainda os computadores pessoais, a internet e o mundo não era globalizado. Só os muito ricos viajavam para outros países para conhecer outras culturas. Vivíamos em nosso mundinho, com a TV e seus programas com hora marcada, não havia ainda a cultura da “24 horas no ar”. Tudo podia esperar e tinha sua hora, certa e disciplinada. Meus avós viviam cientes de que já conheciam tudo, nada mais a desbravar. E se houvesse? Desnecessário. Seguiam a vida esperando a hora de ir embora. 

Em um salto, me vi em 1999, preocupada com o bug do milênio, ciente de que o mundo não ia acabar, e sim que nós estávamos acabando com o mundo. Mas a mente ainda vivia no século passado, era muito jovem com os meus 33 anos, não tinha vivido o bastante. Na TV já tínhamos uma infinidade de canais de todas as nacionalidades, a internet  era uma realidade e a globalização dava seus primeiros passos. A consciência de que eu não conhecia nada ficava mais evidente a cada dia, com novas descobertas, novas culturas, um mundo que não para, não tem hora e nem lugar. Era preciso mudar. Tratava-se de agarrar o mundo, ou o mundo passaria por cima, te deixando literalmente ultrapassado. 

Começava a corrida... 

Passados doze anos do início do século XXI, nunca ficamos tão conscientes de que é preciso uma grande mudança. Somos de outra era, ainda não sabemos lidar com a urgência de hoje. Estamos adoecendo. Pobres de nós, jovens do século passado. 

As convicções mudaram, e a principal é estar ciente de que elas estarão mudando sempre, nada mais é imutável, sereno, com hora marcada. Sempre haverá o que descobrir, entender e estudar. Nunca estaremos prontos, nada é desnecessário. Estaremos sempre em evolução. 

A geração deste século já nasceu sabendo disso, e para evitar este conflito temos que seguir mudando; a cabeça, as atitudes, o estilo de vida. Seguimos para a geração que não irá arrumar, e sim trocar. Não vai vender, vai se desfazer. Não irá procurar por produtos que sintam necessidade, apenas escolherão de quem comprar, pois ofertas de todos os tipos e gostos não vão faltar. 



Na corrida contra o tempo, a sensação é de que ele não nos dá tempo, e passa inexorável, rápido. Temos que aprender com a geração deste século. Afinal,  vivemos neste milênio e estamos vivos. Mas vivemos? 



Feliz Ano Novo... Para todos nós!

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Tempo


Não foi um ano dos melhores...

Nem  posso dizer que foi produtivo...

Mas de todos os problemas, muitos foram resolvidos ou  encaminhados.


Os problemas te fazem repensar suas verdades,
                                                       te tornam mais humano,
                                                                                Te tiram da inércia.



 Mas é preciso tempo.

Para assimilar

                 Para curar

                                               Para acalentar.



"Peço-te o prazer legítimo
E o movimento preciso
Tempo tempo tempo tempo
Quando o tempo for propício
Tempo tempo tempo tempo

De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido
Tempo tempo tempo tempo
E eu espalhe benefícios"
Tempo tempo tempo tempo"

Que  passe o tempo e venha 2012

quinta-feira, 26 de maio de 2011

O que será da última flor do Lácio?


ULTIMA FLOR DO LÁCIO - Olavo Bilac

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura;
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
-
O que não diria Olavo Bilac se passasse os olhos a um livro editado pelo MEC de língua portuguesa. Acredito que o autor do poema que enaltece a língua portuguesa jamais imaginou ver grafado nos livros didáticos, erros de português inadmissíveis até na linguagem falada. 

Membro-fundador da Academia Brasileira de Letras, Bilac tinha a preocupação de atingir a perfeição em seus poemas, que possuem uma grande beleza pelo ritmo e sonoridade.

A correção da linguagem, o rigor da forma e a espontaneidade são as principais características de seus versos. Foi um dos maiores defensores da abolição da escravatura e lutou pelo serviço militar obrigatório, que considerava uma forma de combater o analfabetismo.

Com essa biografia impar, que exemplifica a paixão pela nossa língua e a vontade de que todos falem bem o bom português, certamente ficaria admirado com os educadores de hoje, em especial os de língua portuguesa, que tentam dilacerar a gramática com a aceitação de erros grosseiros de concordância, sob a pecha da inclusão social e da variedade lingüística, ou seja, acham que assim estão a combater o preconceito contra os alunos que falam linguagem popular.

Oras, não podemos confundir linguagem popular com erros gramaticais. Claro que há a linguagem usual, com gírias e estrangeirismos, que logo adaptamos e inserimos na nossa língua, concorrendo inclusive para a evolução (afinal não poderíamos nos dias atuais usar o vernáculo como Bilac usava!), mas daí a falar e escrever errando a concordância verbal e nominal, é de fazer qualquer um que preze a boa leitura e a boa conversa no mínimo ultrajada.

A que ponto chegou o descaso com a educação! Não se pode mais repreender o aluno, e não se pode agora ensinar e exigir que se fale da forma correta! Caso contrário estaremos cometendo preconceito lingüístico!

Senhoras educadoras, mestras, doutoras, autoras e defensoras desse absurdo sem igual, aprovar material que incentiva o emprego de construções gramaticais impróprias não concorre com a inclusão dos menos favorecidos, nem tampouco auxilia na educação, e sim, consiste em um obstáculo para a formação intelectual do estudante brasileiro. Se permitirmos que as crianças e jovens nos ditem como falar e escrever, com a desculpa da linguagem popular e da língua viva, brevemente talvez possamos mudar alguma lei da física ou da química, ou quem sabe dois mais dois resultará cinco...

Sempre vale à pena relembrar... Mesmo sendo inesquecível!

JURAMENTO DO PROFESSOR

“SOLENEMENTE PROMETO,
NO DESEMPENHO DE MINHAS FUNÇÕES DE EDUCADOR, TRANSMITIR COM LEALDADE, INTEGRIDADE E HONESTIDADE OS ENSINAMENTOS HUMANOS E CIENTÍFICOS QUE FAÇAM DOS JOVENS A MIM CONFIADOS PROFISSIONAIS E CIDADÃOS CONSCIENTES RESPONSÁVEIS E INTELIGENTES.
.SE CRIAR HOMENS EU CONSEGUIR, SENTIR-ME-EI REALIZADO. ASSIM PROMETO”.

Fica minha pergunta: ensinar o correto não está implícito neste juramento?

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Somos modernas ou vingativas?





Estou prestes a completar 45 anos e ainda me surpreendo com algumas constatações em relação à vida.

Fui criada na época da liberação feminina, onde após anos de submissão a mulher ousou em adentrar o mercado de trabalho para de lá não sair mais. Com isso ganhamos em tudo, não há como negar. Mesmo assim me surpreende como até hoje algumas mulheres não conseguem ou não sabem como se comportar diante da vida e suas facetas.

Todas essas indagações vêm se sublinhando em minha mente há muito tempo, já que tenho hoje uma filha adolescente a quem me cabe orientar e passar os valores arraigados em minha família (isso é herança!). Mas após assistir aos novos programas de TV, protagonizados por essa nova geração de mulheres de todas as idades, consigo traçar um novo perfil do comportamento feminino, e não tenho gostado do que vejo.

Há pouco tempo recebi um e-mail onde uma mulher reclamava o quanto havia perdido em ter que trabalhar fora e assim acumular mais funções além daquelas de antes. Sim, é fato que além de trabalhar fora a mulher continua sendo dona de casa, esposa e mãe. Concordo que passamos a acumular mais e mais trabalho em nosso dia a dia, que nos acarretou doenças antes exclusivas aos homens, e perdemos em qualidade de vida, mas daí a achar que era melhor quando não trabalhávamos e éramos tratadas como utensílio de casa é um enorme exagero.

Porém, não acho certo o que se vê nos dias de hoje. Mulheres em casos extraconjugais, boêmias, bebendo tanto quanto ou mais que os homens, permissivas e libertinas demais em seus relacionamentos, e por aí vão às constatações.

Assistindo TV na noite de ontem, pude ver em dois programas de humor, mulheres de hoje relacionando-se abertamente com homens casados, sem nenhum tipo de pudor ou censura, como se fosse a coisa mais normal do mundo, e ainda incentivadas por suas amigas. Lembro-me do quanto as mulheres se queixavam dos maridos infiéis antigamente, o quanto sofriam humilhações em função dessa deslealdade (sim, acho deslealdade a traição), e o quanto criticavam a infidelidade masculina, que causava enorme sofrimento às famílias, gerando muitas separações por parte das mais corajosas, ou mais submissão por parte das menos audazes. Agora, para as mulheres de hoje, isso passou a ser permitido! Só porque passaram de vítima a algoz, podem então se relacionar com os casados como forma de vingança, e o estereótipo dessas mulheres é o da liberal, independente, bem resolvida. Ah! Para o homem continua sendo errado! Em determinada novela da mesma emissora, há um personagem de um homem infiel cujo estereótipo é o do rico, mau caráter e traidor.

Há algo de muito errado nessas mensagens. Sutilmente querem nos provar que as mulheres podem tudo, certo ou errado. Eu não acho isso.

Minha adolescência foi marcada por um programa de TV que nos revolucionou, era o de uma mulher descasada, que tinha que provar à sociedade de então que tinha valor independente de seu estado civil, que podia trabalhar, criar sua filha só e porque não, refazer sua vida ao lado de outro homem. Foi um start na cabeça de muitas de nós, mas não era gratuito, vivia-se ainda a violência contra a mulher fortemente, ainda havia muita submissão e preconceito, foi uma revolução necessária.

Acredito na força da mulher, tento passar isso para minha filha, mas acredito acima de qualquer coisa na igualdade do ser humano: homem, mulher, negro, branco, amarelo, índio, rico ou pobre.  Todos com iguais direitos e deveres. O que é certo para um, certo será para todos e assim por diante, independente da situação. Queimamos sutians para todos sermos iguais, não para nos igualarmos nos erros.O que se está tentando provar? Já conquistamos muito: podemos estudar, trabalhar, namorar, casar, descasar, não casar, ter filhos, não ter filhos, ou seja, podemos tudo mesmo, basta ter coragem e atitude. Mas sempre há limite, para tudo. Não se deve mudar o que é certo ou errado baseado nos estereótipos que a televisão cria e tenta nos fazer engolir sob a pecha do moderno e atual.

Mulheres! Podemos tudo sim! Mas vamos continuar sendo mulheres, mesmo porque só temos a perder masculinizando nossas atitudes em prol de uma igualdade que já conquistamos.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Diário de Catarina - escritório - nova casa velha e "Seu" Ronaldo


Depois de muitos anos na casa adaptada que adorávamos, tivemos que nos mudar para outro lugar que não agradou a ninguém. Tudo o que tínhamos no outro endereço perdemos com a mudança, e quando digo tudo, é tudo mesmo...

No novo endereço perdemos a amplidão e as salas e passamos a contar com o seguinte: um pequeno pátio para estacionamento dos carros (pequeno mesmo); um salão grande no térreo, onde ficava a parte administrativa, dividida por divisórias; no andar superior outro grande salão onde ficava a área técnica e uma pequena sala (também dividida por divisórias) onde ficava o chefe, ou seja, estávamos todos juntos em uma pequena casa que tinha o pé direito1 baixo, que nos dava a impressão de estarmos em um porão. Para quem leu o livro “ O colecionador” de John Fowles fica a dica de imaginar onde ficou a estudante Miranda, quando foi seqüestrada por Freddie. Não, não estou exagerando, depois de anos em uma grande casa arejada, em um bairro nobre da cidade, a sensação de ir para um bairro sombrio, em uma casa de dimensões diminutas era exatamente essa.

Neste nosso novo local, fomos nos adaptando e também passando por novas situações, aqueles que quase não tínhamos contato passaram a conviver diretamente conosco durante o dia todo. Como estávamos em uma sala única, dividida por divisórias, ouvíamos tudo e todos, perdemos completamente a nossa privacidade, e passamos a conhecer a intimidade de todos: se brigou com o marido/mulher; se o filho estava doente; se devia no banco; se tinha dinheiro sobrando para aplicar; se trocou de carro ou apartamento; se era católico, evangélico ou espírita; e por aí vai. A intimidade era total, querendo ou não.

Passamos então a conhecer melhor e conviver com o "Seu" Ronaldo, que era o motorista e fazia todo o serviço de rua: lavar e abastecer os carros no posto; serviço de banco; orçamentos e compras.

Que figura peculiar era o Seu Ronaldo, tanto que merece destaque neste capítulo. Bem mais velho que a maioria,  Seu Ronaldo era separado e com filhos adultos, por isso morava só, sua vida era a repartição e nós éramos os seus amigos. Gostava de ajudar a todos e tinha um bom coração (até demais), e queria arrumar uma nova companheira, mas que fosse bem novinha, assim passamos a brincar muito com ele em função disso. Mas ele era muito voluntarioso e teimoso, o que as vezes irritava algumas pessoas. Tinha um senso de justiça exacerbado e todos os dias comprava seu jornal (aquele bem popular), e de posse das notícias do dia, se punha a discuti-las com qualquer um que se aproximasse. Ninguém lhe dava bola e ficava ele comentando indignado a página policial, com aqueles fatos escabrosos de mortes, assassinatos, assaltos, seqüestros e estupros. Até que passou pela agência um estagiário, que vou chamar de Thales, que adorou seu jeito, e diariamente comentava as notícias com ele. Vamos lembrar que estávamos naquele salão grande, todos juntos, escutando os comentários sobre aquelas notícias diariamente. Tales adorava e suscitava Seu Ronaldo a falar cada vez mais e de forma mais inflamada sobre todos aqueles crimes. Isso ocorria nas primeiras horas da manhã, enquanto Seu Ronaldo aguardava o serviço de rua, ou seja, logo cedo tínhamos um programa novo, um jornal ao vivo, em que Thales era o âncora e Seu Ronaldo o repórter policial, nos brindando todas as manhãs com as notícias mais escabrosas do dia anterior. Ele se inflamava a ponto de avermelhar o rosto enquanto Thales impassível, tal qual um âncora, fazia seu comentário e pedia a análise dos fatos a Seu Ronaldo, que dava sua opinião sempre polêmica, gerando reação na "platéia", atenta mesmo sem querer.

Muitas foram as vezes em que eu e Nelson Augusto nos aproximávamos, e tal qual espectadores interessados, assistíamos a este jornal ao vivo, sob a batuta do estagiário Thales, que ao final das notícias se despedia com um sonoro bom dia. Seu Ronaldo então se retirava e saia da repartição para mais um dia de trabalho na rua e nós ficávamos rindo da forma como ele interagia com a notícia, dizendo como o governo e a polícia deveriam agir, sempre de forma não muito ortodoxa.


Lembrando de fatos assim que percebo como fomos unidos naquela fase tão sombria, em que fomos colocados em uma casa tão inóspita, mas que conseguimos transformar em um lugar habitável e divertido. Quem fez parte daquela história certamente sepultou os maus momentos, e deixa aflorar somente aquilo que nos acrescentou positivamente; a união, o riso, a alegria, a tolerância, o bom viver.

Não faço mais parte daquela repartição, nem tampouco Seu Ronaldo, não sei como vive hoje aquele homem, espero que tenha conservado seu lado bom, e nos momentos difíceis saiba e se lembre o quanto foi importante naquele lugar, o quanto deve estar fazendo falta e o quanto sempre foi querido, a despeito de sua personalidade tão original.

1Pé-direito é uma expressão utilizada em arquitetura, engenharia e em construções em geral, que indica a distância do pavimento ao teto.